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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

 

Karl Popper apontou uma certa televisão como sendo um verdadeiro perigo para a democracia. Refletia ele sobre o embate da televisão na educação das crianças, não descurando que o principal esforço delas residia precisamente na adaptação ao que as envolvia, e, a educação tinha passado a estar também e demasiadamente nas mãos de uma televisão-comandante, com um papel tão forte neste processo educacional que, difícil se tornara, ir contra ela sem se ir contra o que as crianças já tinham absorvido com segurança e as fazia sentir tranquilas. Restava por isso controlar a própria televisão. Sugeria Popper que os profissionais da televisão deveriam ter eles próprios uma educação que visasse acima de tudo entender o poder que futuramente deteriam, e o grau de influência no desenvolvimento de um país que, essa responsabilidade apontava, como nenhuma outra, e, pela qual haveria que responder a bem do melhor da nossa civilização. Aliás, muito se falou a este propósito na exposição da violência pelos ecrãs das televisões, como se fosse o modo único de expor o mal e de assim o mesmo não ser repetido (há quem justifique a atitude deste modo…): isto quando já se provava a relação entre o aumento da criminalidade e as imagens televisivas.

 

Em casa de uma maioria, passou a ser normal, jantar ou almoçar em frente de uma televisão que expõe feridas horrendas nos corpos mutilados pela guerras, corpos de mortos espalhados sem direito ao respeito de não serem mostrados, crianças gritando apavoradas e de olhos carregados de moscas que preveem a morte pela fome e pela sede não abrandada pelos seios secos das mães, enquanto os telespectadores, pais e filhos, vão comendo ao seu ritmo; quando não, até comentando que determinada enfermeira naquele dia x em que foram ao hospital era absolutamente uma mulher cruel. Comer enquanto se veem matanças ferozes não é o princípio de uma realidade hedionda, é já o fim na sua normal aceitação. Curiosamente são essas mesmas pessoas e são essas mesmas crianças que um dia também gritarão “assassino” quando algum prisioneiro ou prisioneira entra para um carro celular a fim de ser transportado ao tribunal onde será julgado por algum crime.

 

As inúmeras possibilidades de escolha de canais ou programas televisivos recai na similitude de conteúdos, oferecidos por bens públicos que utilizam as ondas hertzianas como sua exclusiva pertença ou esfera de Hertz em plataforma apropriada abusivamente desde que se vise um qualquer objetivo. Acreditamos sinceramente que as tensões populistas triunfam, em muito induzidas pelos media, mas também acreditamos que se olharmos a forma como se faz política hoje, através desses mesmos media, não será difícil de concluir o quanto mal é tratada a democracia, defendendo-se sozinha como se a nossa contribuição diária não fosse a sua constante roupa de domingo preparada por todos nós nos inícios de semana. A limitação dos freios do poder e a atividade dos contrapesos da democracia são faróis à liberdade de imprensa que poderá cair do pedestal em que a si mesma se colocou, quantas vezes, levianamente num outrora de tornar a democracia como um circo mediático até a bem de um qualquer comércio. Sabemos que determinar a verdade do jornalismo não é fácil, mas por entre várias visões, até a qualidade das prioridades pode ser um diferenciado padrão sem que signifique notícias iguais ou idênticas.

 

Certo é que “ A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância” com ausência de crítica para ambas, acrescentamos: veja- se o livro “Televisão: um perigo para a democracia-: de Karl Popper; Sir John Condry; Giancarlo Bosetti; Jean Baudouin; Maria Carvalho - chancela da Gradiva - ou a sua noção claríssima sobre o paradoxo da tolerância.

 

Temos para nós que é desejável que exista espaço para que a própria condenação extrajudicial seja repudiada da notícia como um excesso que mina a verdade. Acreditamos que não são as leis que devem proibir ou estimular virtudes positivadas, antes todos estes poderes dos media devem fundear ancoras que provem melhoramento pessoal e coletivo; devem elas escrutinar virtudes baseadas em princípios num convite à cooperação de todos a um jornalismo enfim capaz de gerar cidadania, capaz de diminuir a opacidade do que se transmite e da sua razão última, isto como primeiro passo à sã comunicação das pessoas entre si.

 

A Internet cria uma ilusão de transparência e tem gerado mais apatia ao tornar-se a voz de tudo o que é novo e sem constrangimentos indispensáveis de objecto de freios e de contrapesos.

 

Em rigor voltando à televisão e sua influência, cremos que muito passa por um sentimento real de humildade dos media e que alcançar a verdade não quer dizer deixar de a procurar. Acreditamos que a humildade de quem quer ter consciência da reflexão sobre a própria inteligência de descortinar a arvore-núcleo da floresta é aventura a defender.

 

 

Também ao lermos este outro livro de Popper sentimos que nos referimos ao mesmo fenómeno que tratamos acima já que se trata de um abeirar a um berço sem idade que faz parte integrante da cultura dos jornalistas profissionais e independentes, verdadeiros centros de poder de contrapesos nas modernas democracias.

 

O mundo em que vivemos é o reino da opinião, e a plena certeza das coisas somente os deuses possuem”

 

Uma veemente luz sobre tudo o que escrevemos anteriormente, acerca do que Popper nos deixa no pensar, e sobretudo ao lermos este livro, ficou-nos claro o quanto não podemos ter medo de nos perdermos por muito que os pontos de interrogação ou exclamação se sobreponham seja qual for a profissão.

 

Tales de Mileto um dos Sete Sábios da Grécia para quem a água é a origem de todas as coisas, trazido à existência por toda a atividade do seu intelecto, ou, Zenão de Eleia igualmente pré-socrático - discípulo de Parménides- que defendia o quanto refutar diretamente as teses era o melhor caminho para expor o seu trágico absurdo. E o elogio de Popper a Xenófanes ou não considerasse a ciência um otimismo em relação à incessante busca do conhecimento por aproximação à verdade. E entender este mundo acordando do torpor agressivo dos media dos nossos dias e libertarem-se eles enfim da tensão atenta de sempre comandar, comandando tão só e tanto! a não libertação dos que os escutam e veem como quem aprende e assim se atualiza, este despertar dos media seria a possibilidade de ver o voar debaixo das grandes aves, seria a fórmula e o filtro.

 

É tempo, é tempo de reparar o funesto esquecimento de que somos mundo e nele, humanos, ainda que muito nus e muito indefesos. 

 

Teresa Bracinha Vieira