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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA

 

Os amoladores, os sinaleiros, os ardinas

 

Um tema antigo.

Esquecimento.

Era uma vez.

 

Sempre que o meu pai parava o carro por ordem do sinaleiro e baixava o vidro, todos os dias por aquela hora, o ardina – que já o conhecia – entregava-lhe o jornal pela janela do automóvel a troco da moeda. Corria de um lado para o outro, no meio do trafego, para vender o maior número de jornais possível e também aliviar o peso da cinzenta sacola de pano que transportava e o fazia coxear de tão pedra. Depois logo que vazia a sacola, corria a enchê-la. Quantas vezes os vi a correr, Rua da Rosa acima.

 

E eram homens estes ardinas e eram meninos também que brincavam a descortinar a buzina dos carros que os chamavam, e com um saco de jornais quase maior que o seu tamanho, lá vendiam mais um jornal, a sorrir, como se brincar fosse assim e só assim àquela hora em que os carros passavam perto dos seus pés podendo pisá-los.

 

Ninguém se lhes referia como crianças em trabalho adulto. Esquecimento?

 

Era uma vez

 

Um cabeça de giz, como chamávamos aos sinaleiros devido ao formato do capacete que usavam, um cabeça de giz que elegantemente comandava o trânsito em gestos de braços e mãos de bailarino clássico. Nunca se cansava. Fazia piruetas nas voltas do corpo com uma tal eloquência que, por vezes, os carros não arrancavam logo a seu mando, pois os condutores pensavam ou diziam para os restantes companheiros de viatura

 

Olhem, lá esta ele, parece que dança sem se cansar horas a fio. Parece que controla o ar. É giro este fulano!

 

Ninguém celebrava a passagem por este sinaleiro com um agradecimento. Nem mesmo nos dias de maiores melancolias. Esquecimento?

 

Era uma vez

 

Um amolador que passava lá na rua de Alvalade, tocando uma gaita-de-beiços em timbre conhecido, e a avó dizia logo que o escutava: «pronto lá vem chuva». As criadas corriam com as facas e as tesouras e alguma cafeteira na mão, antes que o amolador da bicicleta se fosse. Creio ter visto, um dia, que a cozinheira levava também na mão um desgravidado chapéu-de-chuva para concertar as hastes. Eu corria de mão dada com as criadas e ficava a ouvir os piropos que o amolador lhes atirava enquanto concertava os haveres entregues. Aquele era danado, diziam elas. Enfim, eu achava bonito ouvi-lo dizer: «dás-me um beijo e caso-me contigo.». Elas riam e provocavam-no. Ele olhava-as com prazer. Era um namoro único. Esperado. Esquecimento?

 

Era uma vez

 

Sempre que escrevo o que bate em mim como alguém que se procura e se pensa e se desenvolve e se aniquila, e depois renasce, porque é com palavras de uma ideia que o esquecimento se faz pensar.

 

Teresa Bracinha Vieira