CRÓNICA DA CULTURA
A ilusão da pós-verdade chama-se mentira. O medo do outro e do diferente só se supera com partilha de responsabilidades e melhor democracia. É de economia ciente da importância da cultura como criação que falamos.
por Guilherme d’Oliveira Martins in Jornal Público / 07 de agosto de 2019
E de facto ao olhar para a ponte de Mostar em 1982, o sonho que haveria um passo comum em direcção a um futuro melhor foi-me claro. E foi-me claro pela história da responsabilidade que o pluralismo da democracia a todos chamaria; e foi-me claro pelo impacto da cultura que vivi naquela viagem de meses à Jugoslávia; e foi-me claro porque não queria uma coisa abstracta situada no futuro de todos nós: uma coisa abstracta com nome de mentira.
Acreditei que todos nós chegaríamos à conclusão de que a alteridade dos outros é parte integrante da nossa humanidade. Acreditei que a cultura dos povos seria tão criativa que animada por vontades objectivas desmontaria as instituições imperfeitas, as económicas e as outras, e só o seu prenúncio impediria a compreensão incauta da globalização.
Estava longe da brutalidade com que os vários tipos de terrorismos saltariam das televisões defendendo a lucidez dos estados em pânico como realidade ancora em vontades, ou seja, em votos mesmo não expressos.
Navegar nos barcos de Klee deixou de ser política de acolhimento e defesa de um interior espírito de desafio à criatividade nas mudanças estruturais de vida. A partilha de riscos na determinação do bem-estar não se concretizou como messias à construção da prosperidade na idealização da cultura e da civilização.
E é de uma economia ciente da importância da cultura como criação que falamos, sem respostas definitivas, sem mensagens redentoras, sem eutanásias de valores.
Há que nos desviarmos de guiões que nos são sugeridos mesmo quando não pareça; há que entender os traumas do passado como base para discussão de possibilidades futuras; há que estarmos atentos à actualidade que se move à nossa volta cheia de nostalgias para que nacionalismos sejam a solução lacunar das democracias.
Não podemos dizer que precisamos de tempo pois já não há tempo para nos redimirmos das desatenções. Os pensadores receiam que nem as ciências nem as artes possam ser suficientes para seduzir as plateias de vidas que não prosperando, têm o poder dos saltos violentos como solução e pseudo sustento ideológico para justificação comportamental de si mesmas.
Por isso mesmo, neste caldeirão
é de uma economia ciente da importância da cultura como criação que falamos, sem respostas definitivas, sem mensagens redentoras, sem eutanásias de valores
sem os homicídios das guerras e a atribuição estonteada de culpas.
A distância que nos separa dos totalitarismos não nos deve deixar baixar a guarda.
Quem joga? E o que se joga? Quem é o senhor do Jogo?
Como é a noite sem estrelas?
é de uma economia ciente da importância da cultura como criação que falamos, sem nos conformarmos com a condição humana que nos coube.
Teresa Bracinha Vieira