CRÓNICA DA CULTURA
É-me difícil entender como se vai gerindo a idade do corpo quando tão distinta da idade da mente. Há pessoas que parecem envelhecer na totalidade, ou seja, tudo em “harmonia” e ao mesmo tempo: corpo e mente estão de acordo e pim! é um “sossego”! tudo tem artroses até o coração e alma juntos, e eis o facto do qual se está dormente num todo: dizem-me.
Surpreende-me, contudo, que querendo muitos de nós entender a velhice, referindo-me a esta que vive a discrepância entre corpo e mente, devamos contar sempre que os outros não olham para o fundo dos nossos olhos onde se enche de perguntas a aflição dos desejos lúcidos; onde se pode ainda cartografar o que inclui experiências vividas e que geram os futuros de atuarmos de acordo com as interpretações que nos proporcionaram. Afinal, refiro-me a quem o envelhecimento físico é pesadíssimo face à jovem mente que ainda se questiona, e, assim sendo, está-se significativamente disposto a viver com o compromisso da defesa filosófica predisposta à visão atenta e particular da natureza humana.
Assim sendo, como é possível ouvir tanta palermice despudorada acerca da velhice, como se se tratasse de um simples período ao qual correspondem uns vagos direitos oferecidos, talvez, porque quem os recebe deu a estas gentes da tal palermice despudorada, a possibilidade de se sentarem numa confortável cadeira e de perna traçada, traçarem o caminho que se deve obedientemente percorrer, de preferência, sem queixa, doa o que doer?
Registo que em todas as versões dos discursos e posturas desta “fulanagem”, mora um vácuo numa qualquer versão que seja dos seus ADN, que não pede, nem emprestada, uma regra moral que impeça a perversidade e o alheamento com que se debruçam sobre a velhice alheia, já que a deles, seja em que tempo for do seu viver, em consciência, lhes não acode, nem quando comparada com a dos primatas inferiores.
É certo que não existe nenhum computador gigante programado para estes seres com a devida antecedência – no mínimo, antes de lhes chegar o tempo das suas falas - a fim de que soubessem que se aprende e nunca paramos de aprender, e que nos ensinamos uns aos outros a raciocinar.
Julgo fazer parte da tal “lógica operativa” o nosso desenvolvimento por tentativa e erro, criando ferramentas que nos ajudam a entender o cântico de um pássaro consoante habite na cidade ou no campo; consoante demonstre a sua experiência e com ela a sua idade.
A natureza humana altera-se consoante o mundo em que vivemos, as culturas, e consequentemente as normas de comportamento. Todavia, pergunto: não inclui a dieta de muitos dos mais jovens, a grande análise da sua envolvência com os mais velhos? A capacidade de imaginarem o colocar-se no lugar do outro, e o desejo de que lhes seja atribuído, um dia, o direito de se defenderem a si mesmos, sendo escutados e amados e respeitados e não atirados à solidão abandonada de um muro escorado num mercado de hipocrisias também de afetos?
Proteger as fragilidades e as forças de qualquer tipo de velhice, chegue ela em que idade chegar, é a possibilidade de começar a acreditar num mundo mais justo, mais inteligente, mais humano que impeça uma conversão maciça ao fatalismo dos campos de concentração do sofrer.
Em verdade, a submissão à lógica da máquina criada por seres humanos, e a entrega do seu domínio a uma força bruta, coerciva da vida, corrói as próprias constituições da liberdade, a impérios de extrema parcialidade, qual cleptocracia que sempre protege e enriquece um grupo de poder que atribui a última e desesperada trincheira a viver, com meia dúzia de silenciosos euros, a todos os restantes mais frágeis, continuando ausente a estratégia política que a impeça, e sendo que nem ao início da solução do problema principal constatamos que alguém se abeire.
É difícil entender como se pode gerir a idade do corpo quando tão distinta da idade da mente. Quando sem que se tenha tido sequer acesso ao código do jogo, qualquer ecrã é uma extensão da realidade da velhice mais triste, e os musculados de hoje não entendem sequer o que veem os seus olhos, onde está a bola, a pá, o significado.
Teresa Bracinha Vieira