CRÓNICA DA CULTURA
ENTREVISTA
- Como tem sido para a senhora e seu marido o suportar deste confinamento?
- Pois, para nós o confinamento não tem custado.
- Ah!, não? Tem-nos parecido que ninguém gosta.
- Bem, no início fomos na onda, digamos assim, do horror de ficar em casa, íamos ao supermercado uma vez por semana, e vínhamos logo para casa. Mas afinal não era mau.
- Não era mau? Deixaram de fazer a vossa vida normal, deixaram de usufruir da vossa liberdade, dos vossos costumes, dos vossos prazeres, já para não falar do medo da doença…?
- Pois o medo da doença tocou-nos fundo e toca-nos – e também nos toca o medo de outras doenças - mas quanto ao confinamento, chegámos à conclusão que já vivíamos confinados, e não nos tínhamos dado conta que a situação até já estava batizada por essa palavra.
- Como assim?
- Olhe, nós somos reformados. O meu marido é engenheiro, mas devido a um problema de coluna, teve de antecipar a reforma e ela é baixinha, e eu trabalhava em Alcoitão e já me reformei, também com pouco, face ao que auferia, que era pouco.
- Alcoitão?
- Sim, lá no local onde as impossibilidades se tornam, às vezes, desconfinamentos de futuros. Trabalhei muito lá, e acreditando sempre que se eu não desistisse dos meus doentes, eles teriam êxito. Era fisioterapeuta. Mas voltando ao confinamento. Sabe?, nós falámos aqui em casa - o meu marido e eu - e decidimos ir ao supermercado, mas todos os dias, durante e após a pandemia para fingirmos que vivemos mais desconfinados. Entende?
- Como assim?
- O que eu quero dizer é isto: como pode imaginar as reformas baixas não dão para almoçar fora, nós nunca almoçamos fora, também não dão para viajar, nós nunca viajamos, nem cá dentro. Também não dão para irmos ouvir concertos de que tanto gostamos. Ir ver montras, às vezes, sabe bem, mas não temos disponibilidades para adquirir algo só pelo gosto de ter esse bem connosco, e, fica-se um pouco triste. Também não saímos de metro, pois o meu marido fica com medo dos empurrões e pode ficar pior da coluna. Andar de táxi, é caro, só se temos de ir ao médico. A Caixa é longe daqui. Resumindo: íamos ao supermercado uma vez por semana para adquirir o essencial, e não nos tínhamos dado bem conta de que é precisamente o que fazemos agora com o confinamento.
- Ah! Daí a decisão de irem todos os dias ao supermercado, agora e depois da pandemia?
- Sim. Havia muito mais para dizer, mas é isso. Resumindo, é isso. Tudo isto foi um modo de concluirmos, mais exatamente, que a nossa liberdade já era confinada.
- Disseram-me que tinham filhos, eles não participam num jeito de vida melhor, para vós?
- Bem, é assim: os nossos filhos têm mais de trinta anos e se for preciso queixam-se de nós não os ajudarmos financeiramente, mas eles a nós, nem que seja para estarem connosco à beira-rio, não têm tempo. São bons filhos, mas é assim que pensam. Pensam neles. E nós atenuamos o impacto disto em nós, ou pintamos cor no que se vive agora dentro deles. Até os elogiamos quando falamos com outras pessoas. Dizemos que estão bem na vida e são inteligentes, etc., essas coisas. Nós nunca imaginámos que nos confinariam assim. Para eles, fazerem conversa connosco e companhia no estarmos juntos, é amputar muito tempo do seu mundo. Ou seja, para eles basta a mera regra a cumprir nas festividades. Eles desconfinam do grupo no Natal. Vêm aqui e não se demoram, e sempre levam algum…mas eles amam-nos, pode crer! Mas é assim.
- Então o confinamento nem sequer alterou o vosso estado psicológico? Nem o usar máscara vos incomodou?
- O meu marido, um dia, até me disse: ó Laura já ninguém nos ouvia antes e agora é mais difícil; as máscaras até são boas a clarificar certas coisas. Eu não transmito o vírus dos problemas ou da tristeza que incomode os outros; os outros, ou fingem que não têm problemas, no olá como estão, nós ótimos, ou, com a ajuda da máscara, escondem algum sorriso de felicidade, o que é bom para eles, não vá terem de dividir com alguém, um vírus positivo.
- Obrigada. Obrigada pela entrevista que me concedeu.
- Ah!, ó senhora jornalista, é verdade, escreva que estamos bem, não temos covid 19, ou julgamos não ter, não temos esperança nem medo, o que é fantástico face a tanta tragédia por aí.
Teresa Bracinha Vieira