CRÓNICA DA CULTURA
POSTAL 4º
Singular e querida amiga Dulce,
Obrigada pelo teu postal. Obrigada pelo modo como escreves. Obrigada por nunca teres partido.
Fizeste bem em adquirir o anel que descreves e a pulseira a jogo. Essa prata baça que referes, essas pedras antigas do Nepal irão casar com os teus dedos longos e com os teus pulsos estreitos e brancos, e ao adereço, chamarás peça astral. Pois sim, acho adequado.
Dulce,
Tenho duas notícias diferentes para ti. Nenhuma te queria dar, mas insistes, e, na verdade, desconheço por que razão entendo que aí, em Lassa, no mosteiro que escolheres, as dominarás melhor.
Assim, a morada que pedes está vaga. Por outras palavras, não te será acesso a quem queres, pois foi viver para uma cidade perto de Paris. Apenas sei que foi uma decisão que não pôde adiar mais, por desamparo, por tanto acrescido de aflições, tudo ligado aos seus problemas familiares. Às vezes, a infelicidade é um tempo de granito, é mesmo o advir da solidão pesada, da que não despega.
E querida Dulce, apetecia sumir-me em vez de te dar a segunda notícia: a nossa Joana deixou-nos fisicamente. Tenho para ti um saquinho de linho que ela me encarregou de te entregar. Dentro dele e por sua mão escrevente, a razão de lhe faltar tempo.
Preciso que te recordes que em ambas, luz e trevas, dorme o mesmo mistério, a mesma indecifração.
Longe e bem perto tudo é uma possibilidade.
Que mais dizer-te?
Custa-me que a reflexão sobre a morte seja um sinal de vida, mas afinal de que outro modo se pode olhar a fundo as coisas ainda abertas?
Em Lassa a eternidade poderá ser diferente? Não sei. Coloca um papel ao vento, te peço, por ti e por mim, e mediada pelos mosteiros, talvez a razão de ser de tu estares aí, e eu aqui.
Li no teu postal que irás pela Índia um mês. Se encontrares um deus para todas as condições, lembra-te de nós duas.
Tua muito amiga
Isadora
Teresa Bracinha Vieira