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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS COM MEMÓRIAS DE SÃO TOMÉ

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Monte Café – S. Tomé © Ji-Elle/Wikimedia Commons


5. FERNÃO DIAS, BATEPÁ E A ROÇA MONTE CAFÉ


1. A 3 de fevereiro de 1953, houve em São Tomé acontecimentos violentos que ficaram conhecidos como o massacre de Batepá (do português coloquial “Bate-Pá!”) ou guerra da Trindade. No início da década de 50, coincidindo com a alta cotação do cacau, cresceu a escassez de mão-de-obra nas ilhas de São Tomé e Príncipe, que assentava no trabalho contratado e forçado, por regra assegurado por angolanos, cabo-verdianos e moçambicanos. Ao programar superar tal carência, pretendeu o governo obrigar os forros (nativos são-tomenses) ao trabalho contratado nas roças, deixando de ficar abrangidos pelo Estatuto do Indigenato, que recusava o trabalho assalariado e coagido, gerando protestos, reforçados por anteriores medidas da administração colonial que visavam, na prática, obrigá-los a trabalhar nas obras públicas e nas roças.  

Perante o desmentido oficial das autoridades e o arrancar, por alguns forros, das declarações por aquelas afixadas em Batepá e Trindade, começa a repressão com o registo de confrontos, extensivos a outros pontos da ilha, num remoinho de violência, com abusos, assassinatos, rusgas, prisões, torturas, casas incendiadas, purgas no funcionalismo público, deportações e exílios. Várias pessoas foram enviadas para um campo de trabalho forçado em Fernão Dias, a fim de construir um cais acostável, onde um dos castigos era o de esvaziar o mar, causando a morte de vários nativos, cujos corpos foram lançados ao oceano.  

O dia 3 de fevereiro, feriado nacional, alusivo ao massacre de Batepá, de que não há certezas quanto ao número de mortos, apontando-se para mais de mil ou, no mínimo algumas centenas, é tido como a ocorrência mais penosa da história das ilhas e um momento de rutura com o sistema colonial.     

A brutalidade foi justificada, num primeiro momento, pelo governador (Carlos de Sousa Gorgulho) como uma tentativa (ficcionada) de reprimir uma conspiração comunista, a que se seguiu a defesa, por alguns, de uma exceção à regra da narrativa luso-tropicalista do colonialismo português ultrapassada pelos excessos de um homem louco.   

As vítimas, após a independência, foram transformadas em heróis nacionais, a primeira celebração oficial foi designada por “Dia dos Mártires do Colonialismo”, mais tarde como “Dia dos Heróis da Liberdade”, passando a ênfase do sofrimento da repressão colonial para a firmeza com que o povo (em luto) lutou pela libertação. 

Elevada Batepá a uma história de heroísmo (e não de subjugação), tida como o momento fundador do nacionalismo de São Tomé e Príncipe, havia que a materializar.   Assim se compreende, nesta perspetiva, ser local de passagem obrigatória a praia de Fernão Dias, onde há um monumento e um memorial às vítimas de 1953, dado ser para aí que foram levados muitos detidos do massacre, sem esquecer os lançados ao mar.  

Na sua simplicidade e dignidade, os movimentos curvilíneos, em tons de azul, do monumento representando o mar, ao lado de um memorial homenageando os que morreram, pode ser o desejo de um futuro melhor, sem esquecer, no presente, o passado, no que teve de bom e de mau, a que acresce as suas potencialidades em termos de turismo histórico.    

Também no centro de Batepá, onde parei, há uma homenagem condigna às vítimas do massacre, em cores apelativas e chamativas nas representações dolorosas e dramáticas que invocam, para que as gerações mais jovens e vindouras não esqueçam e vejam o futuro como um símbolo de união e desenvolvimento, não excluindo o passado comum.

2. Seguimos para a roça Monte Café, das mais antigas, fundada em 1858, que foi sede da sociedade agrícola Terras de Monte Café, que tinha como dependências, entre outras, as roças de São Nicolau, Bemposta, Saudade, Nova Moca, Santa Catarina e São José. 

Situada numa zona acidentada, a quase 700 metros de altitude, na região Mé-Zóchi, com uma ampla e bela vista, teve sempre um lugar de destaque como maior produtora de café, que mantém, produzindo e comercializando café artesanal e biológico, dos dois tipos existentes na ilha, o Arábica e o Robusta.    

Organizada segundo a tipologia “roça-cidade”, tida como mais moderna e correspondente a um aglomerado urbano, com terreiros ou eixos, ruas, bairros, praças, jardins, necessita de melhorias e obras de conservação, com exceção dos edifícios principais em atividade, entre eles o Museu do Café, dependências acessórias e de trabalho, uma vez ser uma das roças mais bem-sucedidas, aí trabalhando um número considerável de pessoas.    

Visitei o museu, arejado, organizado e limpo, onde aprendi e vi, guiado por uma guia, todos os passos de processamento da produção do café até à sua recolha e seleção, desde tempos idos. A compra do bilhete dá direito a provar uma das duas variedades. Comprei algumas embalagens de ambas em grão (também o há moído), com certificação biológica. 

Curiosa é a referência à passagem de trabalhadores chineses: “O património de Monte Café tem sido considerado como um espaço de encontro entre povos e culturas. Foi para tal determinante a contratação, como atestam os diversos registos, de coolies chineses oriundos da antiga colónia de Macau” (As Roças de São Tomé e Príncipe, de Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade)   


01.11.24
Joaquim M. M. Patrício 

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