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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS COM MEMÓRIAS DE SÃO TOMÉ

  


6. OBÔ, CASCATA SÃO NICOLAU E CASA MUSEU ALMADA NEGREIROS


1. Nas áreas de maior altitude da ilha, onde o meio não facilita a intervenção humana para atividades agrícolas, mantém-se o tipo de vegetação primitiva ou dela próximo. É a zona do Obô, uma floresta de nevoeiros, densa e húmida de montanha, ocupando o interior e o centro das duas ilhas do arquipélago (e zonas dispersas), cobrindo 235 quilómetros quadrados em São Tomé e 85 do Príncipe.   

No Jardim Botânico do Bom Sucesso, porta de entrada do parque natural do Obô, só houve tempo para uma visita, conduzida pelo guia, à sede e espaço envolvente, não permitindo caminhadas pedonais ou conhecer o pico mais alto e a lagoa. Muito menos estudar e investigar o que estudiosos e investigadores de todo o mundo aí estudam e investigam.

Em canteiros e espaços trilhados ao longo do caminho, há uma enorme variedade de espécies e flores. Desde curas para todos os males, de aplicações terapêuticas, como a árvore cata-grande (a casca é usada para baixar a tensão e tratar a diabetes), folha de goiabeira (diarreia e tosse), marapião (dores de dentes), pau-sangue (anemia), folhas de cêlo-sum-zon-maiá (gripes), planta da quina (chás da malária), casca da nêspera do bô (hérnias), pau-três (dores de barriga e efeitos afrodisíacos), folhas de pau-parto ou pau-cabra (com que as mulheres tomam banho quando em trabalho de parto), pega-rato (cólicas), folhas de sapo sapesapeiro (febre tifóide e malária), caneleiras, cafeeiros, cacaueiros e, claro, a singular não me toques.   

Há também vários tipos de micocó: usados na culinária, em chá para asma e problemas respiratórios e de poderes afrodisíacos. Sem esquecer a planta medicinal bordão do macaco (massagens, infeções intestinais e banhos de recuperação após o parto). A que acresce a sonífera bunga, cuja folha colocada e deixada, alguns minutos, num copo com água ou vinho, e bebida, de seguida, pode fazer dormir 24 horas contínuas.   

Há que mencionar as flores, como a flor de Jorge Tadeu (antúrio de São Tomé), a rosa de porcelana (de caule e folhas grossas, com um centro em forma de pinha e pétalas carnudas) e os bicos-de-papagaio (cachos de flores, em que as fêmeas caem dos ramos e os machos crescem para cima, sendo um dos símbolos do país).

A entrada era gratuita, mas a doação em dinheiro, no final, é encorajada, havendo orgulho no trabalho aí desenvolvido.       

2. O itinerário prossegue com parada na cascata São Nicolau, uma imponente queda de água em longo véu, com 60 metros de altura, que acaba numa piscina natural, de águas frescas, disponível para mergulhos, em especial na época das chuvas. 

Sombreada e ladeada por uma floresta verde, que se adensa na zona, é um monumento turístico natural, onde a beleza e o som da água a cair, associada à quietude e trinar dos pássaros, nos faz sentir de bem com a natureza.

Depois de tocados e relaxados pela seiva da queda de água que nos refresca, seguimos para a roça onde nasceu Almada Negreiros.     

3. José Sobral de Almada Negreiros nasceu na roça Saudade, Trindade, em São Tomé, em 7 de abril de 1893, onde há documentação a certificar o seu nascimento. O seu pai foi António Lobo de Almada Negreiros, alentejano, jornalista e escritor, nomeado administrador do concelho de São Tomé, onde desposou Elvira Freire Sobral, uma mestiça abastada são-tomense de ascendência angolana, que morreu em 1896, com 23 anos, cujo filho saiu novo da ilha para não mais regressar.         

Foi no local onde este artista multidisciplinar (das artes plásticas, da escrita e do modernismo) nasceu, que houve (e há) uma tentativa de recuperação do seu passado. Iniciativa do proprietário e comunidade local, ao que se indicia, até agora, bem-sucedida, através de uma reconstrução de ruínas que se multiplicou a um restaurante, sala de chá, casa-museu e uma guest-house, num espaço aprazível, verde e acolhedor, por entre dizeres, escritos e memórias de Almada Negreiros. Onde também se ouve o canto ameno e suave do ossobô, pequeno pássaro de asas verdes.

Além da esplanada do restaurante, no primeiro piso, com vista sedutora e a reter, sobre a verdura da zona e ao fundo o mar, há uma outra para chá, no rés do chão, com desenhos e escritos murais alusivos à história da roça relacionada com a vida e a obra de Almada. Motivos referentes ao artista são extensivos a todo o espaço, desde a entrada com uma escultura em preto e placas evocativas a um “Almada Negreiros Africano: filho de São Tomé e neto de Angola”, passando pelo restaurante e paredes das casas de banho, até ao interior da casa museu com um retrato da mãe, uma cópia da famosa pintura da autoria de Fernando Pessoa, pósteres de exposições na Fundação Gulbenkian, livros da obra do homenageado, além do inevitável artesanato africano.         

O serviço do restaurante, com duas entradas, prato principal e sobremesa, era fixo ao dia, tornando a refeição mais célere, mas sem alternativa, a querer imitar uma degustação mais europeia e sofisticada, a necessitar de evoluir, como o projeto, no seu todo, a todos os níveis, dadas as potencialidades, não obstante ser justo reconhecer, como estimulante e gratificante, o que já existe.

Sugeri, a quem cuida e explora, para diligenciar por contactos, internos e externos, incluindo parcerias, para a preservação, implemento e manutenção deste espaço, com um tão singular cunho e “cheiro” cultural. O que pode ser extensivo ao estudo e investigação da relação que teve Almada com África (num tempo em que a influência da arte negra sobre a arte moderna era indiscutível), a começar por São Tomé. O que faz sentido, uma vez ser meio-africano.


08.11.24
Joaquim M. M. Patrício 

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