CRÓNICAS COM MEMÓRIAS DE SÃO TOMÉ
7. CASCATA MILAGROSA, ROÇAS SANTA LUZIA, VISTA ALEGRE E SANTA MARGARIDA
1. Visita à cascata Milagrosa, por caminhos só conhecidos de quem sabe. Não foi fácil chegar, após um percurso difícil, por caminhos estreitos e veredas sinuosas, sem sinalização. Só com nativos, sabedores e bem informados, nos sentimos seguros, o que é agudizado pelos défices de acesso e de localização no interior da ilha.
Após uma paisagem tipicamente indígena, onde são bem visíveis cacaueiros acessíveis à mão, fotos e filmagens, surge-nos, por fim, uma graciosa e bipolar queda de água, com a particularidade de se desdobrar, no seu conjunto, numa cascata mãe e numa cascata filha, num espaço tipo nicho que, embora limitado, é suficientemente aprazível e elegante, apelando à curiosidade e necessidade de ser achado o móbil da aventura que, em meu entender, vale a pena.
Tentativa frustrada, de seguida, na ida à cascata Bombaim, após alguns quilómetros por um caminho pouco transitável, de sentido único, cheio de pedras, riachos de água, de terra batida escorregadia, enlameada e pantanosa, dado que, quando já relativamente perto, o acesso estava cortado por troncos de árvores caídos que haviam tombado, estando a ser desviados e rachados por homens, pelo que fizemos inversão de marcha e regressámos ingloriamente.
Anteriormente, um pouco antes, também fomos forçados a parar, invadindo a rota outros troncos cortados, dificultando a passagem de veículos, depois de um primeiro ensaio que poderia ter danificado a viatura, que hesitava e patinava. Todo um tempo perdido por ausência de organização local, evitável se houvesse, como deveria, um sinal de trânsito proibido a anteceder o itinerário.
2. Após o ciclo do açúcar, São Tomé viveu a instalação das roças de cacau, a partir da segunda década de oitocentos, que possibilitaram o ordenamento territorial da ilha, abrindo clareiras e pólos que permitiam chegar aos pontos mais remotos, por via rodoviária e ferroviária (complementada pela portuária). A que acresce a casa principal, o hospital, a capela, as sanzalas, a parte agrícola dos armazéns e secagem de cacau e café, escolas e equipamentos de lazer. A maioria estão abandonadas e desativadas, o que não impede que nalgumas vivam centenas ou milhares de pessoas, em edifícios degradados e em mau estado de conservação.
Há progressos e sucessos pontuais, como na roça Água-Izé (numa cooperativa que produz cacau, que exporta, empregando pessoas), na Monte Café (produzindo café biológico), na Diogo Vaz (cacau e chocolate), a arte da cozinha e o lado cultural na roça de São João dos Angolares e Saudade.
Há que implementar um plano de desenvolvimento integrado das roças, aproveitando e reabilitando a herança da antiga arquitetura colonial portuguesa, de um modo descomplexado e descolonizado, para adaptar e reinventar esses espaços para outros fins, como o turismo rural, cultural, económico, científico, de investigação.
Outra das roças que visitei foi a Santa Luzia, a qual, pelo que me constou e vi, dá lugar a um turismo rural e de habitação num espaço colorido e bem cuidado, rodeado de uma beleza natural, vegetação e animais, em simbiose com a natureza e o lazer que proporciona.
A entrada principal faz-se por um caminho esmerado e limpo, que é contornado, de ambos os lados, por plantas viçosas e flores de cores apelativas, onde campeavam as rosas-de-porcelana de São Tomé, no seu vermelho chamativo, com um centro pesado em forma de pinha e pétalas carnudas, joviais, elegantes e de uma prazerosa delícia para a vista, sendo convidativas a fotos e filmagens. Como chovia, a chuva que nelas caía lembrava o deslizar de lágrimas num esplendor de pureza que brilhava após um banho ameno, que a vinda do sol realçou.
Aqui e além, os caraterísticos bicos-de-papagaio por entre casas de madeira enquadradas em áreas de eventos, bem-estar, tranquilidade e caminhadas em conluio com o meio ambiente, num aceno ao eco e agro-turismo. Um presumível exemplo de que é possível adequar e recriar.
Seguiu-se a roça Vista Alegre, com uma bonita casa principal e senhorial de grande dimensão, de arquitetura agradável, distinta e chamativa, com um generoso terreiro em frente, implantada no cimo de um bem-apessoado planalto, sobre uma planta retangular em dois pisos, parcialmente elevada de um terceiro, circundada por varandas alpendradas, com torre sineira e acesso por uma escadaria dividida em lances duplos.
Organizada segundo uma tipologia roça-terreiro, com o edificado a acomodar-se em torno da zona desmatada e terraplanada chamada terreiro, típica de explorações de menor dimensão que, in casu, prestava certos serviços relacionados com a atividade agrícola, armazenando e embalando produtos de outras roças. Tudo a requerer, de momento, obras de restauro.
Faltava visitar a roça Santa Margarida, fundada no século XIX, por volta de 1855, que foi uma das grandes explorações agrícolas de São Tomé, constituída por quatro dependências e roças satélites (entre estas a roça Vista Alegre), de cujos tempos áureos avultam e são hoje visíveis ruínas, degradação e um estado deprimente do antigo hospital (com enfermarias para homens e mulheres), farmácia, laboratório, capela e outras dependências, incluindo os espaços habitáveis por população local.
Esta roça está associada ao nome Francisco Mantero, que foi genro do fundador, que aí desenvolveram uma intensa e criativa atividade agrícola (constou-me manter alguma atividade, por certo marginal, por confronto com o ar de abandono global que testemunhei).
Custa ver este enorme património natural e arquitetónico abandonado e subaproveitado, não aproveitando o que teve de bom, sem esconder e censurar o que teve de mau, realizando uma síntese. Matéria-prima há-a, em quantidade, por toda a ilha.
Foi o fim do roteiro viário possível pelo interior de São Tomé, completado pelo regresso à capital, onde um passeio pedonal antecedeu o jantar no Filomar.
15.11.24
Joaquim M. M. Patrício