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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS COM MEMÓRIAS DE SÃO TOMÉ

  


9. MÉRITO E MISSÃO DO INSTITUTO MARQUÊS DE VALLE FLÔR


1. Não há em Portugal uma persistente tradição de mecenato, nem é de assinalar um número de beneméritos que, ao fim da sua vida de trabalho, têm a audácia de restituir à sociedade aquilo que ela os ajudou a reunir.     

Há exceções, algumas de natureza singular e reconhecidamente relevantes, como o testemunha o trabalho desenvolvido pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF).     

A fortuna da família foi feita em África, na ilha de São Tomé, o que justifica a criação do Instituto em homenagem a quem para aí foi com dezasseis anos, viveu e se tornou grande empresário de cacau, figura pública ativa, dinâmica e interveniente, de seu nome José Luís Constantino Dias.   

Para perpetuar a memória de seu marido (1.º Marquês de Valle Flôr) e a de seu filho (2.º Marquês de Valle Flôr), Maria do Carmo Dias Constantino Ferreira Pinto, Marquesa de Valle Flôr, fundou o IMVF, em 1951, tendo como objetivo inicial apoiar e promover a investigação científica e o desenvolvimento. Os seus fins são, de momento, e numa perspetiva lusófona, “a realização de ações de apoio humanitário, de cooperação e educação para o desenvolvimento económico, cultural e social, bem como a promoção e a divulgação da cultura dos países de expressão oficial portuguesa” (artigo 3º dos Estatutos).           

Criado como uma instituição privada de utilidade pública, é uma Fundação, com duração por tempo indeterminado, para a cooperação e desenvolvimento, tendo iniciado, em 1988, em São Tomé e Príncipe (STP), atividade como Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD). A partir da década de 90 expandiu-se para outros países e alargou as suas atividades, com incidência especial nos países lusófonos de língua oficial portuguesa.     

A motivação da sua fundadora foi tida, à data, como “uma admirável manifestação de bem-fazer”, um grande exemplo de quem teve a coragem de se despojar, e aos seus herdeiros, de uma parcela avultada dos seus bens para, em obediência a uma superior ideia altruísta, se concluir que nem tudo é egoísmo, não se deixando deteriorar  “na improdutividade a riqueza possuída”, convertendo-a em riqueza de trabalho, “valorizada e tornada fecunda para que com ela se produzisse mais riqueza de que todos aproveitem”. Uma visão visionária com influência dos arquimilionários e filantropos norte-americanos, tida como um exemplo da riqueza-sacrifício por oposição à riqueza-egoísmo.       

A sua mentora foi digna de elogio e de reconhecimento público em favor do bem-estar da coletividade. Havia antecedentes com a criação da Fundação Vale Flor (anterior ao IMVF e em memória de um filho e uma filha falecidos), que estabeleceu prémios pecuniários para rapazes e raparigas pobres, corajosos e altruístas, vindo a instituidora a ser agraciada, pelos seus méritos, com a Grã-Cruz da Ordem da Benemerência, criada em 1929, designada Ordem de Mérito desde 1976.       

2. Mas após o apreciável merecimento de alguém, como ponto de partida, ficou um propósito, um encargo, um dever, uma obrigação por cumprir, uma missão que se tem adaptado e sido executada, nos tempos atuais e ao longo de mais de 70 anos, pelo IMVF, ente de referência nos domínios da cooperação, da cidadania global e da reflexão sobre o desenvolvimento.         

Porque, em primeiro lugar, todos somos seres humanos e, como tal, iguais em dignidade, sejamos europeus, africanos, asiáticos, americanos, brancos, mestiços, negros, cristãos ou não, o IMVF tem como sua razão de ser a promoção da dignidade humana  “que passa pela igualdade de direitos e de oportunidades e por uma justiça para todos”, agindo “para melhorar as condições de vida das populações mais vulneráveis, que obriga à luta contra a exclusão e contribui para tornar o nosso planeta mais sustentável, garantindo as condições de vida das gerações presentes e futuras”.         

Em obediência aos seus fins e objeto, vertidos nos artigos 3.º e 4.º dos Estatutos, realiza ações na saúde, educação, desenvolvimento rural e segurança alimentar, sociedade civil, migrações, pós-conflito e ação humanitária, ambiente e sustentabilidade, autarquias e poder local, cidadania global e estudos estratégicos e do desenvolvimento.

Tendo tido, até hoje, como região de intervenção mais regular STP, tem estado presente em outros países, como Cabo Verde, Guiné-Bissau, Gâmbia, Angola, Moçambique, Colômbia e Portugal (tendo como referência os relatórios anuais de 2021 e 2023), com um alargamento crescente a todo o espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), incluindo Brasil e Timor-Leste.   

Sendo o IMVF uma instituição de arrojo, visão e valores, também o é em qualidade e competência, o que se traduz no sucesso que tem em concursos nacionais e internacionais destinados a cofinanciamentos para os seus projetos.

Um exemplo notável e invulgar, que merece ser mencionado, onde a cooperação portuguesa sobressai, com particular relevância em STP, no âmbito da saúde, educação e desenvolvimento rural e segurança alimentar (relatório de 2023). 

Apercebi-me, em especial, no decurso de mais de uma década, da importância, intensidade e orgulho que é trabalhar no projeto “Saúde para Todos”, em STP, numa instituição que nos inspira, prestigia e enaltece o melhor que há em nós.

Que assim continue!       


29.11.24
Joaquim M. M. Patrício