CRÓNICAS LUSO-TROPICAIS
3. GILBERTO FREYRE E O LUSO-TROPICALISMO
Tendo o Trópico e a Europa como presenças decisivas na formação, espaço e tempo brasileiro, Tropicalização e Europeização constituem, em sincronia, os dois processos principais que se vêm defrontando no Brasil, existindo uma interpenetração de ambos quanto ao que seja mais particularmente nacional e original na situação brasileira.
Entende-se aqui por Trópico não só a ação, sobre a formação brasileira, de uma ecologia tropical preponderantemente física, no sentido climatérico ou geográfico, como a influência que vêm tendo sobre a mesma formação culturas ou civilizações e grupos étnicos de procedência notoriamente tropical: ameríndios, negros, indianos.
Em “O Mundo que o Português Criou”, Freyre posicionava-se luso-tropicalmente no complexo luso-afro-asiático-brasileiro: “mundo transnacional ou supranacional que constituímos, pelas nossas afinidades do sentimento e da cultura, portugueses e luso-descendentes pela “mestiçagem” como ”um elemento (básico) de integração”, sendo a miscibilidade, mais do que a mobilidade, o processo pelo qual os portugueses se compensaram do défice de recursos humanos em face de uma colonização em larga escala e sobre áreas extensíssimas.
A uma visão transnacional da língua, em que a língua portuguesa se tornou após a independência do Brasil, que viria a ter como referência o conceito de Fernando Pessoa apontando para uma Pátria abrangente de mais de uma soberania, e mesmo de comunidades não soberanas, adicionar-se-ia uma visão transnacional da língua mais alargada para a área da cultura, atribuindo uma especificidade luso-tropical aos sincretismos que dela sobressaem sobre a definição das fronteiras do Ocidente.
Sendo, neste ponto, GF referência incontornável, inicialmente como definidor da brasilidade, depois como reabilitador da imagem dos trópicos, por fim como teórico do luso-tropicalismo, do ibero-tropicalismo e euro-tropicalismo, considerava o Brasil um pluralismo convergente, porque dinamicamente inter-regional, inter-racial e intercultural, tendo-o como uma democracia étnica e racial ainda imperfeita, mas já consideravelmente avançada, em que a mágica da mestiçagem transforma hoje o mundo luso e amanhã transformará o mundo no espaço de todas as raças.
Se ninguém é perfeito, defende que in casu parecemos ser menos imperfeitos.
01.11.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício