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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS LUSO-TROPICAIS

 

5. GILBERTO FREYRE E O LUSO-TROPICALISMO
CRÍTICAS E MÉRITOS (II)

 

Cláudia Castelo emerge com a sua análise crítica na tese de mestrado “O Modo Português de Estar no Mundo: O luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961)” (Porto, Edições Afrontamento, 1998).

 

Entende que o Estado Novo usou o luso-tropicalismo para fundamentar a presença de Portugal em África, com a aceitação de Freyre.   

 

Sublinha que duas obras que versam sobre a temática do luso-tropicalismo, como “Integração portuguesa nos trópicos” e “O luso e o trópico”, de 1958 e 1961, respetivamente, foram “encomendadas” e publicadas por organismos do Estado português. A primeira, pela JIU, fazendo parte da coleção ECPS. A segunda, pela Comissão Executiva das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, no decurso do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos. Segundo as suas palavras “O Estado Novo utiliza estes livros, supostamente científicos, como instrumento de propaganda e de legitimação da sua política colonial. Se a manipulação político-ideológica é exterior aos textos, no interior dos textos radica a sua possibilidade. O autor não deixa de ser conivente com esse processo” (p. 37).

 

Tendo o luso-tropicalismo como uma ideologia, em face da manipulação feita pelo Estado Novo do pensamento de Freyre, sustenta que a sua natureza supostamente científica resulta, sobretudo, graças à propaganda salazarista, adquirindo então uma credibilidade excessiva, ajudando a perpetuar uma imagem mítica da identidade cultural portuguesa. Critica os pressupostos de que parte, baseados em lugares comuns sobre o caráter positivo e imutável do português, bem como os apriorismos sobre o seu modo de ser e de estar no mundo, via anunciação de uma civilização ideal. 

 

Assim, “A comunidade luso-tropical de que fala GF nunca deixou de ser um mito e uma aspiração. O luso-tropicalismo (à semelhança dos seus “sucedâneos” portugueses) foi inventado “de costas voltadas” para os factos históricos e para a totalidade concreta. No entanto, perante a existência de práticas que “desmentiam” o modelo luso-tropicalista, Freyre ilude o problema: considera que não é a validade do modelo que está em causa; essas práticas é que contrariam a “tradição portuguesa”” (p. 140).

 

Critica também a tendência gilbertiana de tomar como referência a bem sucedida experiência da colonização portuguesa no Brasil, generalizando-a no sentido de dela tirar semelhanças aplicáveis às restantes colónias lusitanas. Esta tendência para a generalização, não se coaduna com a especificidade de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Índia Portuguesa, etc., porque “Realidades geográficas, étnica e culturalmente diferentes são-nos apresentadas como partes de um todo coeso e coerente” (p. 39).   

 

Já o investigador e jornalista português Jacinto Baptista, após se referir a convidados e propagandistas estrangeiros do salazarismo, afirma que casos houve em que a “festança e papança” não se limitou ao retângulo continental europeu, tendo tido como caso mais notório o da viagem de Freyre, “o inventor e propagandista do luso-tropicalismo, a grande parte de o mundo que o português criou (…) e de que veio a resultar a alentada obra intitulada “Aventura e Rotina” (“História de Portugal, O Estado Novo (III), volume XVII”, p. 62). 

 

15.11.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício