CRÓNICAS LUSO-TROPICAIS
8. GILBERTO FREYRE E O LUSO-TROPICALISMO
CRÍTICAS E MÉRITOS (V)
Outra das resistências ao luso-tropicalismo, advém da ênfase que Freyre dá à componente árabe e africana na constituição do caráter nacional português, o que contrariava a perspetiva que em geral se defendia em Portugal, a começar pelo ensino, de valorizar quase predominantemente a reconquista cristã e, por arrastamento, a influência europeia.
Esta resistência está interrelacionada com outra, a da miscigenação que, nomeadamente nas décadas de 30 e 40, era tida como de consequências negativas, uma vez que os mestiços eram tidos como biologicamente inferiores. Chegou-se a defender o povoamento das colónias africanas por gentes brancas e numerosas, de ambos os sexos, para evitar a mistura das raças (colonização étnica). Mistura racial que Vicente Ferreira e Armindo Monteiro, entre outros, não aceitavam, distanciando-se de GF, pelo que a experiência brasileira da mestiçagem não se podia repetir no império colonial português. Apenas com o início da guerra em Angola e a ida de Adriano Moreira para o Ministério do Ultramar, houve a promulgação de medidas legislativas inspiradas no luso-tropicalismo.
Já o reconhecimento da especial capacidade dos portugueses para a colonização mereceu aceitação unânime, desde sempre, no Estado Novo.
Mas será a partir da década de 50 que o pensamento Gilbertiano terá uma receção mais favorável, após a segunda grande guerra mundial, quando os impérios coloniais europeus entram em declínio e se começa a dar mais importância à sua produção literária e teórica.
Todavia, mesmo nessa época, o luso-tropicalismo nunca foi tido como discurso oficial do Estado Novo. Sendo este nacionalista, as facetas desnacionalizadoras do pensamento de Freyre foram esquecidas, desde a valorização simultânea dos contributos africanos, ameríndios, europeus e orientais, até à não aceitação de uma congregação dos povos de Língua Portuguesa em que fosse preponderante o predomínio do Brasil.
Ciente da sua independência, contra-argumenta àqueles que o acusaram de aceitar um convite, em 1951, do Ministro do Ultramar português a viajar pelo império, com o facto de ter recusado os dois anteriores e de ter sido convidado pelos governos da União Indiana e da União Soviética, o que tem como prova da sua não conotação com qualquer ideologia política em particular.
Outro sinal de querer manter a sua independência, demarcando-se da política, é dado pelo próprio quando afirma que se é verdade que há ideias suas que foram seguidas pelo Estado Novo; também é verdade que o foram por diferentes intelectuais portugueses provenientes de várias áreas. Citem-se, entre muitos, José Osório de Oliveira, Carlos Malheiro Dias, padre Joaquim Alves Correia, António Sérgio, Maria Archer, Manuel Múrias, Adriano Moreira, Jorge Dias e Almerindo Lessa.
Mário Soares, socialista, que foi Presidente da República e Primeiro Ministro de Portugal, em discurso de inauguração da sala Caloute Gulbenkian, na Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, em 29/03/87, a propósito do luso-tropicalismo, afirmou: “Esta teoria foi mal aproveitada no tempo do antigo regime, mas, justamente, eu quis demonstrar que a obra de Gilberto Freyre era admirada em Portugal, não só por aqueles que eram partidários do colonialismo, como pelo Portugal livre, democrático e moderno que eu represento”(citado por Vamireh Chacon, em “O Futuro Político da Lusofonia”, Verbo, 02, p. 85).
Ainda Mário Soares, em entrevista ao “Jornal de Brasília”, em 30/01/00, declarou que decorridos os anos e lendo de novo Freyre, “Aquilo que ele disse sobre luso-tropicalismo é verdadeiro, é uma cultura própria e temos que desenvolvê-la no futuro” (ibidem, p. 49).
06.12.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício