CRÓNICAS LUSO-TROPICAIS
10. GILBERTO FREYRE E O LUSO-TROPICALISMO
ANTÓNIO SÉRGIO E O MUNDO QUE O PORTUGUÊS CRIOU
António Sérgio, após louvar e enaltecer a abertura, cosmopolitismo, antirracismo, entre outras caraterísticas dos portugueses, no seguimento do luso-tropicalismo, coloca uma questão, que tem como decisiva: se assim é, qual a razão para o nosso horror à ciência, ao labor e saber científico? Quais os fundamentos para o nosso conservadorismo, o não culto da democracia?
Parece haver uma contradição, um contrassenso. Porquê?
Em prefácio à obra “O mundo que o Português criou”, de Gilberto Freyre (Livraria José Olympo Editora, Rio de Janeiro, 1940), escreve também A. S.:
“(…) admitido o plástico do caráter da Grei - determinante do êxito que ele alcançou no Brasil - não nos releva abster-nos, por isso mesmo, de buscar a causa do seu insucesso na Europa em qualidades intrínsecas do Português? Não estaremos obrigados, por conseguinte, a sinalar como réu do nosso destino europeu o dado complementar e correlativo do homem, isto é, o ambiente físico em que ele nasceu?
E acrescenta:
“Ai de mim! Formulador de perguntas, a tal interrogação hei de responder com outras: não seria acaso nas regiões do Brasil que o Português encontrou pela primeira vez condições de ambiente francamente propícias para um género determinado de cultura básica? (…) admitida a hipótese, poder-se-ia dizer: por ser desse modo, desde o princípio da nossa história que andámos buscando nos recursos do Oceano - no sal, na pesca e no comércio marítimo - as possibilidades de subsistência e de esplendores de vida de que sempre a nossa terra se nos mostrou avara”.
Assim, após reconhecer o mérito intelectual e científico de Freyre sobre o mundo que o português criou em regiões tropicais, quer em termos de amplidão e de originalidade, interroga-se do porquê da modéstia do que fizemos e fazemos na Europa, a que associa (e a que não serão alheios) fatores agro-clímacos a nível europeu.
Uma outra contradição, por certo, uma vez que os dotes que nos fizeram nos trópicos são os mesmos que na Europa nos desserviram.
A que acresce, diremos nós, o argumento permanente de que foi sempre demasiado pequeno para o nosso ego o nosso ponto de partida, sentindo-nos asfixiados nesta ponta ocidental da Europa, pelo que estamos permanentemente de partida, necessitando sempre de aventura. O que nos dificulta o conhecimento de nós próprios na Europa e enquanto europeus, fazendo lembrar a velha dialética do Velho do Restelo, nos Lusíadas, de Camões.
E após agradecer a amabilidade de Freyre por ser seu prefaciador, tornando-o conhecido dos leitores no Brasil, agradece em nome da gente do seu país”(…) o sólido prestígio que deram os seus livros à nossa capacidade de colonização, com a preclara autoridade que conquistaram”, tendo como inútil querer formular no seu país (ou no nosso) qualquer juízo sobre ele, uma vez que tanto lá como cá “(…) se escreveram sobre os livros do historiador-sociólogo apreciações sagazes e de cabal justiça, a que eu nada acrescentaria que tivesse préstimo”.
Quanto às formulações, indagações e possibilidades que levanta, questiona:
“Será assim como eu digo? Estará aí a verdade?
A mim cabe a pergunta, o responder é para os sábios.
Só formulo um problema, uma interrogação, uma hipótese, como simples apêndice de um admirador curioso a um dos temas da obra de Gilberto Freyre”.
Eis um testemunho de uma figura não apoiante do Estado Novo e não detrator da obra de Freyre.
20.12.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício