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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

Sala de aula a preto e branco de outros tempos.jpg

 

   84.  CASTIGO ESCOLAR (I)LÍCITO

 

Anteriormente ao 25 de abril de 1974, era usual a escola primária ser um local de terror, com uma percentagem considerável de professores que tinham métodos ditatoriais, desumanos, cruéis e com requintes de malvadez.

Parte significativa da geração escolar de então tem uma memória da escola básica como uma instituição de horror, onde o medo, pavor e pânico reinavam. Réguas e reguadas nas mãos e nádegas, bater com canas na cabeça e ombros, puxões de orelhas, bofetadas, imobilizações penosas, eram castigos escolares comuns, alguns incentivados pelos progenitores dos destinatários. Havia os que “fugiam da escola”, que se escondiam e regressavam para casa após o horário das aulas, tentando escapar à punição. A minha geração testemunha-o.

Eram tidos como métodos pedagógicos de ensino e integravam os códigos culturais, políticos e sociais da época.

Em termos jurídicos, uma causa de justificação ou de exclusão da ilicitude, que consistia na possibilidade legal do exercício da força física como poder de correção dos professores sobre os alunos, em paralelo com o dos pais sobre os filhos, sendo tido, por muitos, como um poder consuetudinariamente reconhecido.

De uma aceitação maioritariamente consensual, mesmo quando discutida ou discutível, transitou-se para uma não aceitação, do que era lícito para o ilícito, para a violação de direitos humanos e da criança, a que acresce, de momento, um tempo de reparações de injustiças coletivas, agudizado pela vulnerabilidade e subordinação de entes sujeitos a uma autoridade hierárquica que lhes era superior e servia de modelo e referência.

Curiosamente, nestes tempos de não aceitação e revisão de costumes, de movimentos como o # me too e afins, nunca tal arbitrariedade foi questionada, nem foi assumida qualquer desculpa ou responsabilidade, quiçá porque os professores passaram de “algozes” a “vítimas”, indiciando-se a ideia diametralmente oposta da permissividade escolar, em que quem ensina é desautorizado em excesso para corrigir e educar.

Nem sequer um pedido de desculpas, por aquilo que hoje se chama pedocriminalidade, começando pelo Estado, que a tolerava e tinha como lícita.

Do castigo escolar de tempos passados, tido como lícito, legitimado e justificado, transitou-se para o ilícito proibido, de um mal de antanho tantas vezes irreparável para um mal presente tantas vezes insanável, e sem equidade.

 

03.09.2021
Joaquim Miguel de Morgado Patrício