CRÓNICAS PLURICULTURAIS
94. O INSUCESSO DA UTOPIA EM ORWELL
Orwell era um intelectual que acreditava que o mundo podia ser modificado pela força do intelecto.
Por maioria de razão enquanto jovem, na sua aurora de impulso juvenil e primaveril. Acreditou fervorosamente no socialismo.
Era um socialista idealista, em termos de conceitos e ideias.
A maioria dos intelectuais colocava a teoria à frente da experiência.
Consta que Marx nunca se deslocou nem trabalhou em qualquer local de trabalho do operariado.
Orwell quis colocar a observação empírica e a experiência à frente da teoria.
A sua experiência dizia-lhe que só através de um exame meticuloso poderíamos aceder à verdade.
A sua natureza e instinto diziam-lhe que entre a ideologia e a sua execução, as coisas não eram aquilo que pareciam.
Sem subterfúgios, queria conhecer a verdade.
E saber se era exequível executar o ideal em que acreditava.
Nada melhor que examinar de perto a vida da classe trabalhadora.
Trabalhou e viveu entre os oprimidos, tentou compreendê-los e ser um deles.
Lutou na guerra civil de Espanha, ao lado dos republicanos, por confronto com o mero apoio moral da maioria dos intelectuais.
Enquanto membro de uma melícia anarquista, acreditou que podia estar a viver o princípio do socialismo.
Mas a purga que o partido comunista, às ordens de Estaline, fez aos anarquistas, demonstrou-lhe que a esquerda, quando no poder, é capaz de uma crueldade e injustiça semelhante à dos nazis, validando todos os meios para atingir os seus fins, ao arrepio da teoria que proclamava.
“Homenagem à Catalunha”, denunciando as atrocidades feitas pelos comunistas contra os anarquistas espanhóis, foi boicotada e silenciada, em termos de publicação, por quem o autor tinha tido, até então, por progressistas.
Não abandonou a crença de que, por força das ideias, é possível uma sociedade melhor, mas concluiu que as pessoas são mais importantes que a mera ideologia.
Colocou, em primeiro lugar, a experiência pessoal, o que observava no dia a dia, por oposição à abstração das ideias e a uma imaginação teórica e de retórica.
Os seus ataques transferiram-se da quase unânime censura e desprezo pelo capitalismo vigente, para os fraudulentas utopias e amanhãs que cantam proclamados e propagandeados por Marx, Lenine, Estaline e seguidores.
“O Triunfo dos Porcos” narra uma história de corrupção e traição, recorrendo a figuras de animais para retratar as fraquezas humanas e demolir o “paraíso comunista” proposto pela União Soviética, na época de Estaline.
Sem esquecer o atualíssimo, distópico, futurista e totalitário “1984”.
Estalinistas, comunistas e pretensas vanguardas progressistas não lhe perdoaram.
Proibições e boicotes da sua obra são testemunho.
Idolatrado por uns, demonizado por outros, mas não indiferente a ninguém, deixou-nos uma obra cada vez mais presente, onde se reconhece que o comportamento político é grandemente irracional.
Observação, experiência e contacto pessoal levaram-no a crer que a causa fundamental do insucesso da utopia é a irracionalidade do comportamento humano.
Colocou sempre a observação e a experiência, mãe de todas as coisas, à frente da teoria.
21.01.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício