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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  

 

99. SOBRE O DIREITO NA GUERRA (I)  


Com a chegada e o fim da primeira grande guerra, dadas as suas extensas inovações tecnológicas e grande carga ideológica, a doutrina da guerra justa foi não apenas revista, mas igualmente renovada, estimulando a criação de estruturas internacionais adequadas e capazes de conferir maior eficácia àquela ideia de guerra. Assim surgiu, finda a primeira grande guerra, a Sociedade das Nações, destinada a promover a cooperação internacional e a garantir a paz e a segurança.   


Surgia a primeira organização internacional universal da natureza política, com o fim geral relacionado com a garantia e manutenção da cooperação, segurança e paz.


Segundo o artigo 16.º da SDN, é agressão a todos os outros Estados, a guerra ilícita, exercida por um Estado-membro devendo, em tais circunstâncias, ser adotadas sanções económicas contra o agressor, cabendo ao Conselho recrutar forças militares terrestres, navais e aéreas para uma resposta e repulsa coletiva.   


O artigo 8.º, por sua vez, estabelecia que os seus membros reconheciam a manutenção da paz e exigiam “a redução dos armamentos nacionais ao mínimo compatível com a segurança nacional e com a execução das obrigações internacionais imposta por uma ação comum”.   


Foi assim que, finda a primeira guerra mundial, e após um período caraterizado por inovações tecnológicas e cargas ideológicas, se estimulou a criação de estruturas internacionais vocacionadas para conferirem eficácia prática à ideia de guerra justa, cuja doutrina seria revista e renovada, com o contributo da Liga ou Sociedade das Nações, precursora da Organização das Nações Unidas. Substituiu-se o sistema eclesiástico medieval, concebido e aplicado pela Igreja, pela estrutura secular contemporânea, dando-se lugar a uma organização internacional constituída por nações.


Rejeitada a guerra para qualquer fim, surge como caraterística essencial da nova doutrina da guerra justa saber o que é imprescindível como justa causa para fazer a guerra. Se só é justa a guerra defensiva em resposta a uma agressão, impõe-se uma definição de agressão. Já não era a agressão em si mesma que preocupava, mas distinguir entre a justiça e a injustiça do fim a alcançar, dado que a “agressão” podia ser um meio legítimo para atingir um fim justo: a justiça.     


Passou-se a querer subordinar a paz à justiça, dado que os Estados e povos se viram coagidos a rever a sua eventual aversão ao uso da força, quando confrontados com violações dos direitos humanos, nomeadamente na sequência das duas grandes guerras do século XX. Houve um retorno, adaptado e atualizado, a uma posição intermédia da boa ou justa causa da guerra, nas suas origens medievais. O que não significa que a guerra seja necessariamente imprescindível, ou que se anteponha à paz, uma vez que as guerras nunca foram nem são a melhor solução. Só que a paz a defender só pode ser a que serve a justiça, porque só ela justifica a guerra justa em sua defesa.


01.04.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício