CRÓNICAS PLURICULTURAIS
106. HISTÓRIA E GUERRA E PAZ EM TOLSTOI (II)
Seja por acaso, ou porque sim, a História, para Tolstoi, não responde à questão de saber porque aconteceu a guerra, havendo uma lei natural que determina a vida das pessoas, embora estas, incapazes de admitir este inevitável processo, procurem representá-la como uma sucessão de escolhas livres, atribuindo a responsabilidade ao que acontece aos “grandes homens”, aos heróis, que vê como meros cidadãos, pois só quando se escrever a História de todos os homens, só aí se encontrará a força que a move.
Em qualquer caso, concorde-se ou não com Tolstoi, guerra e paz são parte de quem somos como seres humanos. Não vale a pena fazer de conta que não somos assim. São como o mal e o bem, as trevas e a luz, o caos e a clareza, a desordem e a ordem.
Há os instintos e impulsos que não controlamos conscientemente, há o falhanço humano, a evolução do nosso pensamento na direção errada, que fazem parte de nós, aos quais, para muitos, temos de estar ligados se quisermos ascender e conhecer aquilo que na realidade somos.
Há quem diga que não nos podemos elevar, ascender, transcender, sem ter os pés na lama, sem haver guerra e paz, sem conhecer o bem e o mal, sem incorporar tudo o que somos e compreendê-lo, havendo sempre uma repetição da História.
Sem esquecer que os grandes homens lideram, manipulam e movimentam vontades, mesmo que estas sejam manifestações de irracionalidades absolutas que jamais se saciam, como o demonstra a guerra, como um falhanço brutal e monstruoso de todos nós.
E tem havido sempre uma lei e ordem natural de reprodução temporal e espacial na História e na Guerra e Paz.
Para quando o banimento da guerra e a permanência da paz?
Como a árvore com as suas raízes na terra (o que somos) e as suas folhas no céu (que ansiamos e nos ultrapassa)?
Perante este falhanço da Humanidade, de que vale rezar se as nossas vozes não chegam ao céu?
As angústias, incompreensões e não respostas de Tolstoi, quanto à verdade histórica da guerra permanecem, como na sua obra monumental Guerra e Paz, cuja intemporalidade persiste, mesmo neste tempo de conflito bélico entre a Rússia e a Ucrânia, pois uma obra de arte vale sempre por si, independentemente da sua origem e das opções pessoais do seu autor.
20.05.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício