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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  

 

109. CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES


A queda do Muro de Berlim, em 1989, declarou o fim da guerra fria, obrigou à definição de um novo paradigma definidor da realidade emergente e que permitisse prever os futuros conflitos internacionais.   


Tentando agarrar mais de perto a nova era, fala-se em guerras comerciais (envolvendo os Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão), religiosas (com o mundo muçulmano e seus fundamentalismos), étnicas (União Soviética e a Jugoslávia) e novas guerras frias (Estados Unidos, Rússia e China). 


Dada a ausência de consenso sobre qualquer das propostas, eis que surge uma tese chamativa e polémica, de Samuel Huntington, segundo a qual são culturais as grandes divisões que opõem a humanidade, ganhando importância crescente a identidade civilizacional, enumerando oito grandes civilizações: a ocidental, latino-americana, eslavo-ortodoxa, africana, islâmica, hindu, chinesa e japonesa.   


Embora reconheça que as diferenças culturais não acarretam necessariamente conflitos, Huntington conclui que estes se tornam inevitáveis, exemplificando-o com o desmembramento da ex-União Soviética e ex-Jugoslávia, e analogias culturais e civilizacionais que determinaram a atuação e cumplicidade do resto do mundo, perante a guerra entre croatas, muçulmanos e sérvios. Acresce que a progressiva mobilidade das pessoas e a crescente modernização (sobretudo económica) levam Estados a transigir perante valores alheios que os seus cidadãos rejeitam, refugiando-se no “regresso às origens” como reação contra os excessos do ocidente e a pretensa uniformização feita em seu benefício.   


O principal foco de conflito da nova ordem mundial reside na interação das principais oito civilizações, defendendo que o choque civilizacional ocorrerá a dois níveis: um regional e outro global, havendo dois grandes blocos protagonistas dos conflitos futuros, pondo o ocidente, enquanto civilização dominante, face a outras civilizações que reagem contra o expansionismo e pretenso universalismo ocidental. 


A principal ameaça, diz SH, é o mundo muçulmano, tendo o Islão como uma civilização claramente oposta aos valores ocidentais que quer substitui-los pelos seus próprios valores, vendo como inevitável um choque entre as duas civilizações. Islão que também tem projetos expansionistas, vendo o ocidente como uma força maligna, que atingiu no seu núcleo central, em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, além de outros atentados violentos feitos por grupos fundamentalistas islâmicos pela Europa ocidental, especialmente em França. Muitos foram, em paralelo, os governantes muçulmanos que viram na guerra do Golfo, não um conflito contra o Iraque, mas um ataque declarado do Ocidente contra o Islão, tido como uma força do mal.


Sem esquecer o alegado desrespeito muçulmano por valores fundamentais para a civilização ocidental, como a democracia e os direitos humanos, ausência de liberdade religiosa e o estatuto de domínio sobre as mulheres.


Curiosamente, nos nossos dias e século atual, emergiu outro choque civilizacional entre o Ocidente e a Federação Russa, após invasão da Ucrânia, com consequências imprevisíveis, entre povos maioritariamente cristãos, de costumes, tradições familiares e religiosas similares, cujo centro nuclear central se circunscreve, por agora, à civilização Eslavo-Ortodoxa (Rússia e Ucrânia), de que fala SH, o que prova, nesta perspetiva, que no interior da mesma civilização (com várias culturas) pode haver um choque tão ou mais destruidor que entre civilizações diferentes.


Porém, também no atual choque civilizacional o Ocidente alega lutar pela democracia, liberdade e direitos humanos, contra a autocracia, ditadura e desprezo pela integridade territorial, física e vida humana das pessoas, com similitudes, neste aspeto, perante o conflito civilizacional com o mundo muçulmano (este menos visível e em estado latente, de momento).


O que prova, por um lado, alguma imprevisibilidade quanto à certeza e preponderância do choque de civilizações e, por outro, que a barbárie é algo que está intrinsecamente inscrito, até hoje, no programa de qualquer civilização, por mais evoluída que seja

 

10.06.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

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