Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


128. A NÃO-BANALIDADE E A SOLIDÃO NOS HOMENS DE BEM


Não se adequa aos parâmetros tradicionais quem resiste a saber poder ser vítima de violência extrema, não hesitando, mesmo assim, em salvar do sofrimento ou morte pessoas de ideologias, religiões, etnias e nacionalidades diferentes, entrando em rutura com o regime estabelecido, de que foi, por vezes, seu seguidor.   


Recusando-se a obedecer a ordens que pressupunham o abandono dos mais vulneráveis a um fim que se sabia ter como destino a morte, houve os que, em tais circunstâncias optaram, em consciência, pelo bem, repudiando o mal, a indiferença e o medo da maioria, sendo tidos por “Justos”, muitos por “Justos entre as nações”. 


São pessoas de rutura e de solidão que não encaixam na disciplina então e ora vigente, provando haver em cada ser humano uma consciência que incomoda e questiona a nossa capacidade de autoquestionamento a qual, se anulada ou proibida, conduz à alienação da liberdade. Se esta alienação é comum à maioria, não o é com todos.


Uma minoria de homens e mulheres, à revelia do “espírito e lei da época”, soube distinguir entre o bem e o mal e o agir em conformidade. Em tempos negros e sombrios de escuridão, tiveram liberdade de pensar e de julgar, sem se agarrarem a ideologias, comodismos e medos pessoais, numa atitude muito difícil, corajosamente ousada e humana, num ato de enorme e terrível solidão, mas de vital necessidade, sabendo resistir e dizer não.   


Há quatro portugueses reconhecidos como “Justos entre as nações”: Aristides de Sousa Mendes, Carlos Garrido Sampaio, Joaquim Carreira e José Brito Mendes. 


Os pressupostos para receber tal título são: “envolvimento ativo no salvamento de um ou mais judeus da ameaça de deportação para campos de concentração ou morte; risco para a vida, liberdade ou posição do salvador; motivação inicial ser ajudar judeus perseguidos, isto é, sem pagamento ou outra recompensa; a existência de testemunho de quem foi ajudado ou documentação inequívoca estabelecendo a natureza do salvamento e as suas circunstâncias”, recebendo os agraciados uma medalha e um certificado de honra, estando o seu nome inscrito no muro de honra do Jardim dos Justos do Yad Vashem, em Jerusalém.           


O português mais conhecido é Aristides de Sousa Mendes, que desobedecendo a Salazar, de quem fora servidor, entra em rutura com tudo aquilo que foi o seu mundo, salvando ou ajudando a salvar vários milhares de pessoas, sem a solidariedade do Estado Novo e seus apoios, incluindo a Igreja, nem opositores, da esquerda à direita, a movimentos antifascistas ou tidos por progressistas, sendo a voz de um homem só, pois nenhuma outra se ouviu ou levantou para o defender, pela coragem e humilhação que sofreu ao seguir a sua consciência. 


Não obstante, desde sempre, ser um herói para Israel, onde recentemente foi inaugurada oficialmente uma praça com o seu nome (em Jerusalém), persistem vozes que condenam a sua reabilitação, tendo-o como a invenção de um mito, que nunca salvou ninguém, nem foi perseguido por Salazar, deturpando-se e ocultando-se factos históricos, a começar pelos testemunhos de quem salvou, a favor de teses que sustentam o revisionismo e negacionismo do Holocausto. O que reforça a ideia de que para além de homem bom, de bem e justo, é um homem só, que não se enquadra na norma dos    cânones usuais e do politicamente correto, com que entrou e continua em rutura.


Urge ainda lembrar nomes como Oskar Schindler, Irena Sendler, Corrie Tem Boom, Franz Jagerstatter, Bernhard Lichtenberg, entre outros, que não aceitaram a sua morte ética e moral, contrária ao mandamento cristão de amar o próximo, como justificativa para a participação em atos criminosos, mesmo sabendo que as sociedades se regem pela lei e esta pode estar do lado errado da História.


O que fizeram em benefício da não-banalidade do bem e em solidão extrema.


02.12.22
Joaquim M. M. Patrício

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.