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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


191. A INTUIÇÃO E UMA VERDADE POSSÍVEL DO PROCESSO CRIATIVO


A intuição é comum a todos os processos criativos.   

Não é verbal. Identifica-se com a forma. Intuindo, intui-se uma forma expressiva e sensorial. Primordialmente intuitivo, o processo criativo torna-se consciente na medida em que lhe é dada uma forma, exprimindo-se. Apreender os cheiros, entre eles o do café pela manhã, os sons, como o dos pássaros a cantar, a claridade e o escurecer do dia, o luar e a escuridão da noite, o nascer e o pôr do sol, os reflexos e as sombras, ouvir e sentir o silêncio, o sossego e o correr da água, observar as pessoas, as cores, os gestos, ouvir e sentir a música, tudo isto são formas em que as coisas tomam forma para nós, correspondendo a aspetos expressivos de um desenvolvimento interior, necessários para execução das potencialidades criativas do indivíduo, a chamada criatividade.   

Estas formas de perceção ou pressentimento intuitivo, latente e seletivo, de perceber ou pressentir coisas, mesmo que nos escapem na sua plenitude, têm nexo, o que sentimos ao orientá-las de acordo com um desejo ou ordem interior do nosso ser mais íntimo. Se todo o pensamento humano exige também intenção, toda a criação de perceber ou pressentir, nomeadamente a artística, exige necessariamente intuição, sendo devido a ela que processamos a informação que não conseguimos compreender.       

Será aí, porventura, pela nossa experiência e “saber”, que que reside o clímax e o ponto mais alto do ato criativo, a inspiração essencial, o clique detonador da criação artística, a descarga elétrica que possibilita a realização da obra artística, na pendência de um processo criativo de que é parte integrante.

Inquirida uma estilista quanto a saber como sabe que vai evoluindo a moda, respondeu: “Não sabemos, é intuitivo. A inspiração pode vir das notícias ou da crise”.     

Há quem defenda que a criação tem como premissa fundamental a perceção consciente, ao invés de outros, que a negam, tendo-a como fator negativo, ao reprimir a criatividade espontânea. Também um racionalista ou reducionista é tido, para muitos, como incapaz de criar, porque portador de uma consciência castradora, determinista e repressiva.     

Onde está a verdade?   

É uma questão em aberto, para a qual não há resposta acabada, o que não impede que a tentemos compreender, sabendo que não a esgotaremos e que o Estado de direito democrático, com a liberdade de expressão e criação, é o mais bem posicionado para nos dar oportunidade de agarrar mais de perto esta temática.

Para Kandinsky, estamos perante um “(…) caminho que ainda não foi percorrido pela ciência e que tem como ponto de partida a seguinte questão: qual é, reduzido à sua expressão mais simples, o fator secreto, hoje invisível e que se furta à observação, que possui o insondável de, num ápice, transformar uma construção correta e exata, mas morta, numa obra viva? Aqui se cruzam talvez os da alma estética (Kunstseele) e da alma universal (Weltseele), à qual pertence também a alma humana”.  


13.12.24 
Joaquim M. M. Patrício