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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  
    Valter Campanato/Agência Brazil - Licença Creative Commons Atribuição 3.0 Brasil


197. DIREITOS HUMANOS E CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES


Quando, em 1947, estava em preparação o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi emitido um parecer, pela American Antropological Association, que foi submetido à consideração da Comissão para os direitos humanos das Nações Unidas, onde se sublinhou ser necessário respeitar culturas diferentes como condição imprescindível para uma efetiva e justificada universalidade dos direitos declarados. 

Contudo, à data, questionar a sua universalidade era um falso problema, sendo tidos como absolutos e de alcance universal, dada a sua evidência.

Embora aceitáveis quanto ao fundamento de serem direitos inerentes a todos os seres humanos por força da sua condição humana, começou desde logo, em plena guerra fria, por haver uma oposição preferencial entre dois tipos definíveis dentro da categoria de direitos humanos: os civis e políticos, privilegiados pelo Ocidente democrático e liberal, e os direitos económicos e sociais, acarinhados pelo bloco de leste ou soviético.

A que se soma a divergência entre o Ocidente e o Islão no que toca ao seu reconhecimento e tutela, a oposição que mais sensibiliza a opinião pública ocidental, pela maior insignificância que é dada à vida e integridade física das pessoas no mundo islâmico, pela ausência de liberdade religiosa para estrangeiros, pelo estatuto de menoridade conferido legalmente às mulheres, proibição da homossexualidade, do casamento ou união entre pessoas do mesmo sexo, entre outras limitações.     

E se há ditaduras, países autoritários e iliberais que consagram constitucional e formalmente os direitos humanos, na sua plena ou quase plenitude, sem correspondência na prática, outros há em que isso não sucede, nem na forma nem em termos substantivos, desrespeitando valores para nós tidos como fundamentais.

Esses valores que o Ocidente tenta comunicar ao resto do planeta é aquilo que esse mundo designa por “proselitismo”, “um produto ocidental” e “imperialismo dos direitos humanos”, o que nos conduz, nesta sequência, a uma perspetiva mais relativista que universalista.

A questão, no essencial, é saber até que ponto a sua declarada origem ocidental, proveniente de países tidos, pelos seus opositores, como imperialistas, colonialistas, neocolonialistas, inviabiliza a sua universalização, dado ser evidente que tais direitos são hoje parte imprescindível do diálogo internacional, onde os universais possíveis têm de ser encontrados num diálogo inter-civilizacional, pautado por referentes comuns devidamente sancionados, legitimado por um consenso em redor de um núcleo de valores de dimensão transcivilizacional.       

Mas não nos esqueçamos que se o progresso científico e tecnológico não uniformizou o mundo, por maioria de razão o não uniformizou a imperfeição humana.


24.01.25
Joaquim M. M. Patrício