CRÓNICAS PLURICULTURAIS
Jean Jacques Rousseau
202. O PROCESSO CIVILIZACIONAL E A NATUREZA HUMANA
A nossa atitude perante a vida e o que somos política, social e culturalmente, parte sempre de um pressuposto filosófico orientador e indagador, que é: o ser humano é, por natureza, bom ou mau?
O mais correto será perguntar se o ser humano é, no essencial, naturalmente bom ou mau, dada a ausência de pessoas totalmente boas e más.
Seguindo o pensamento geral, ou estamos com Rousseau ou Maquiavel.
Rousseau defendia o regresso à natureza, convencido de que a maldade humana é uma consequência da civilização, que o Homem é naturalmente bom e foi estragado pelas instituições. É o espelho da bondade original da natureza humana, onde sobressai o “bom selvagem”, o ser humano em estado natural e puro, ainda não contaminado pelos preconceitos sociais.
Maquiavel diz que o Homem é naturalmente mau. O bom príncipe é o que sabe manter o poder e, para o conseguir, tudo lhe é lícito, desde a astúcia, crueldade, crime, violência, falta de palavra, hipocrisia, mentira e má fé, o que justifica como meios para alcançar o elevado fim do bem geral, que identifica com os interesses de quem governa, a que apelida de razões de Estado.
Partindo de um ou outro princípio temos os otimistas e os pessimistas, dando azo a ideologias, sistemas e organizações diferentes, havendo quem argumente que um otimista antropológico tende a ser de esquerda e um pessimista antropológico de direita (Carl Schmidt).
Porém, se aceitarmos, em face da História por nós conhecida, que de tudo quanto muda o que menos muda somos nós, com avanços e recuos, por vezes regressões (o que é diferente de uma crescente inovação artística e progresso tecnológico e científico), conclui-se que o progresso civilizacional, por si, não altera a condição humana.
Os nossos sentimentos e modo de sentir são os mesmos, sempre houve vida e morte, nem se vislumbra que algo mude, de essencial, a esse respeito, sendo que o progresso por mais evoluído e sofisticado que seja, também pode não ajudar, dependendo do seu uso, sendo sabido, por experiências bélicas, que a guerra é usual ser usada como um meio de desenvolvimento e de inovação crescente, apesar da sua vertente destrutiva.
Quem tem o poder comporta-se tendencial e maioritariamente do mesmo modo, pois embora as elites que o têm se vão sucedendo, quando a ele chegam e se mantêm, acabam por conduzir-se essencialmente como pessoas que ficam e querem poder, do que as que eram antes de lá chegar, o que é transversal a todas as ideologias.
Mesmo para quem acredita em sociedades perfeitas, nunca houve meios pacíficos para as alcançar, havendo que usar meios revolucionários e violentos por natureza, apesar de nunca terem sido alcançáveis ou realizáveis. Ao lado do belo, paradisíaco e magnífico também há o hediondo, o aterrador e o deplorável, em que a natureza é exemplo com cataclismos, terramotos, tsunamis, sismos, dilúvios, inundações, incêndios, em paralelo, nos humanos, com guerras, bombardeamentos, revoluções, revoltas, convulsões.
O ser humano não é completamente e naturalmente bom ou mau, é uma simbiose ou síntese, dado não haver humanos absolutamente bons e maus, não havendo só preto e branco.
Há que fazer culto dos universais possíveis que terão de ser encontrados na implementação de um diálogo, rumo à perfectibilidade, numa dimensão transcivilizacional, e não algo de misterioso suscetível de leituras facciosas.
28.02.24
Joaquim M. M. Patrício