CRÓNICAS PLURICULTURAIS
204. O DESTINO MANIFESTO
A diferença entre a verdade real e o olhar pessoal da realidade é um tema intrigante, dado nos parecer levar à conclusão de que o critério da assertividade ao querer excluir teorias míticas e messiânicas, tidas como insistentes e carregadas de emotividade, é menos persistente e sólido do que deseja, perante a crença de narrativas do destino manifesto de pessoas, povos, países e civilizações.
A retórica do destino manifesto sempre existiu e permanece desde que há humanidade, adaptando-se e variando consoante o contexto, conjunturas históricas e as suas circunstâncias, fundando-se na crença de que há indivíduos, povos e países que têm uma missão providencial que os levará a superar-se e a uma terra prometida, dada a sua originalidade, mérito, insondável mistério ou dádiva divina, conferindo-lhes um destino universal, incluindo a conversão ou seguidismo, mesmo que à força, dos não escolhidos.
Em nome de Deus, de Alá, do progresso técnico e científico sempre houve o percebimento de que a religião e a modernização se imiscuíram nos discursos legitimadores de conquistas e de superação em que, ao longo dos tempos, apenas mudam os protagonistas e o estilo retórico.
Pense-se no legado bíblico que do seu núcleo restrito do povo eleito inicial se universalizou inspirando pessoas, nações e civilizações destinatárias de um destino que se traduz, por exemplo, na crença de que os Estados Unidos da América (EUA) possuem uma missão providencial em defender a liberdade e a democracia, o que foi mobilizado, durante a guerra fria, para explicar a disputa geopolítica e estratégica com a União Soviética, como um conflito nacional entre liberdade e tirania, então amplificado a nível mundial. Esta globalização do destino manifesto do povo do EUA passou a ter, por um lado, na sua política externa (incluindo na guerra espacial ou das estrelas) um vetor essencial da sua identidade nacional e, por outro, um destino manifesto global, convertendo problemas mundiais em responsabilidades nacionais.
Mesmo que um mito de um povo eleito numa terra prometida, um excesso mítico de interpretação do fenómeno da identidade nacional, pode não ser apenas um mecanismo de compensação do défice de realidade, mas também algo que será contado a quem vier depois, como quem diz: não me deixeis morrer ingloriamente sem dar luta e acreditar em algo de grandioso, cumprir uma missão que me foi destinada e que a História um dia testemunhará, mesmo que não crentes, não eleitos ou vencidos o não reconheçam.
Por mais que se tente excluir crenças, teorias míticas e messiânicas, porque ausentes de tradição científica, elas persistem, desde logo em termos geoestratégicos e políticos, desde os EUA, à China, Rússia, Israel, ao Portugal do Quinto Império de Vieira, Pessoa e Agostinho da Silva, entre outros, chamem-lhe neocolonialismo, imperialismo, excecionalismo, providencialismo, missão messiânica ou algo mais.
14.03.25
Joaquim M. M. Patrício