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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  
    A Bíblia de Gutenberg, foto de Peter Horree/Alamy 


219. HÁ SEMPRE UM LIVRO QUE NOS PODE TORNAR LEITORES


Entre a enciclopédia de livros que há, em que a literatura não é serva de nada, é difícil perceber porque há poucos leitores.       

Acresce que a leitura não é um mero prazer estético, é um privilégio que nos leva a toda a parte, é o centro do infinito, é a nossa imaginação ocupando-nos completamente a cabeça, é a nossa memória, a nossa projeção no que lemos e o modifica em sucessivas metamorfoses transformadoras.     

É uma maneira de conseguirmos estar sós, um reino nosso, em que somos reis, donos e senhores, ouvindo-nos a nós mesmos e em silêncio, interagindo com o mundo e os outros, bailando com o cérebro, sabendo que o que lemos tem milhões de leituras e pensamentos diferentes se o dermos a ler a outros milhões de pessoas.

Ao ler há liberdade de pensar, de idealização, de invenção, um espaço libertário, vivendo hipóteses de leitura que interessem a todos e a cada um, evitando o medo, sem machado que ampute a raiz ao pensamento. 

Há livros transformadores, que deixamos de ler porque não há vontade para continuar, em que saltamos as páginas, que devoramos ou não conseguimos parar ficando-nos, no fim, uma alegria gratificante que quereremos voltar a sentir.     

E há os grupos de leitores, que se reúnem voluntariamente, em que se convencionou uma determinada leitura sobre um livro e tudo o que daí possa resultar em termos de convívio, tertúlias, em associação livre de interpretação, ideias e conteúdo, num diálogo e debate que se quer construtivo, enriquecedor, de partilha e plural. 

Há as edições de autor, pagas por conta própria, em que existe o prazer de deixar um testemunho em livro, para os familiares, amigos e quem o queira. 

Mesmo assim, há quem não leia. Será responsabilidade dos livros? 

Culpabilizá-los parece sem sentido, dada a sua variedade e quantidade para todos os gostos (por maioria de razão numa democracia pluralista), não sendo justificação, só por si, o preço, pois são cada vez mais as casas de gente com património e rendimentos elevados onde não se vislumbra um livro, ou os há como ornamento, mais por uma questão de pressão social/profissional e menos de preferências literárias, havendo lojas que negoceiam falsas lombadas para preencher estantes desprovidas. 

Apurar o gosto é o caminho certo para encontrar o livro adequado para ler, descobrindo o que se gosta e não se gosta, naquele tempo e circunstâncias, excluindo liminarmente o livro que se tem como errado, sem esquecer que há muitos livros, mudando as nossas preferências de leitura consoante a idade e outras contingências.

Há quem prefira o livro clássico ao digital ou eletrónico, pelo seu prazer estético e, sobretudo, tátil, felicitando-me pelo engano dos que declararam a sua morte às mãos do e-book.     

Há os que navegaram de vez para a net, os que recuaram e fazem ambas as coisas, oxalá haja sempre um livro (ou livros) que nos faça leitores, entre tantas e tantas escolhas. 


27.06.25   
Joaquim M. M. Patrício