CRÓNICAS PLURICULTURAIS
Amin Maalouf © Loic Vennace/AFP
220. 1. O EQUILÍBRIO ENTRE O UNIVERSALISMO E AS DIFERENÇAS
Amin Maalouf (AM), escritor de origem libanesa, aquando do lançamento, entre nós, do seu livro Um Mundo sem Regras, numa entrevista onde questionado sobre o que é, para ele, uma cultura global, respondeu:
“Aquela em que cada elemento importante de cada cultura se tornaria global. Onde ninguém sentiria que o principal elemento da sua cultura só seja conhecido pelo seu povo, seja arte, música, literatura. Acredito num mundo em que as nações lidem principalmente com estas expressões culturais. E onde todos os comportamentos de estados e nações ao longo da História - lutar por territórios - desapareçam”.
Prosseguindo, acrescenta:
“Seria o fim da Pré-História. A História que conhecemos, de luta entre tribos, deveria acabar, para entrar numa História em que se partilhem valores comuns. E não me importo que sejam sobretudo valores ocidentais. Penso que, na sua maioria, são aceites, embora muitas vezes se diga o contrário. (…) Mas o Ocidente deveria tornar-se menos orientado para si mesmo no que respeita à cultura. Precisamos de ir em direção a um mundo em que os valores sejam comuns, mas em que exista um verdadeiro florescimento de linguagens, literatura, arte, ciência. Isto é o futuro da humanidade”.
Sobre saber se o futuro só é possível através da cultura, diz estar convicto de não poder existir de outro modo: “Qual a razão de ser da civilização se não for a cultura e o conhecimento? Para mim a cultura não é um aspeto da civilização, mas a sua finalidade”, complementando que ter esperança no futuro é uma necessidade (JL n.º 1014).
Esta noção de cultura tem a sua particularidade, dado não prescindir de traçar uma nítida distinção entre civilização e cultura, ao invés de muitos autores que a usam indistintamente, defendendo uma identidade de princípios entre os dois conceitos. Entre os vários critérios de distinção, o mais universalizado está associado à doutrina sociológica alemã, ao identificar a civilização com o substrato técnico e organizacional das sociedades, incluindo não apenas as técnicas e os instrumentos materiais, mas também os sistemas de organização política e social, adaptando a natureza às necessidades humanas.
No seu oposto e numa relação de complementaridade, está a cultura, compreendida como a reunião dos valores morais e espirituais. Institui-se um entendimento redutor da civilização que a torna subordinada da cultura. Mais importante que a técnica (que é apenas um meio ao dispor dos indivíduos), são as manifestações do espírito, de que depende o desenvolvimento das forças interiores da humanidade.
O conceito de civilização emerge como um estádio embrionário do aperfeiçoamento humano, que só será finalizado quando atingido o nível superior da cultura. Cabe à cultura a primazia, integrando os ideais, os valores, os princípios normativos, o espírito das sociedades humanas.
Intui-se, assim, ser esta a doutrina que agarra mais de perto o entendimento de cultura defendido por AM, dado que o futuro da humanidade só é, então, possível através da cultura, não sendo esta um aspeto da civilização, mas o seu fim.
Uma cultura que será apologista da dignidade humana, o que nos remete para a problemática do universalismo dos direitos humanos e as diferentes diferenças que nos individualizam.
04.07.25
Joaquim M. M. Patrício