CRÓNICAS PLURICULTURAIS
231. O DESCANSO PRECISA DE SE JUSTIFICAR?
Estar ocupado ou sempre ocupado é, cada vez mais, um símbolo de importância, produtividade, estatuto ou poder. Para muitos dá status e é gratificante saber-se que têm excesso de agitação e de compromissos, falta de tempo ou que não têm tempo para nada. Glorifica-se e exibe-se com orgulho o ser ocupado.
O descanso, por sua vez, é visto, crescentemente, como improdutivo, fracasso, preguiça, ócio, tédio, aborrecimento, não fazer nada, uma repetição monótona e permanente, um tempo livre e rame-rame ocioso e não produtivo. Desacelerar, priorizando o descanso, é fracassar. Mesmo aqueles que trabalharam décadas continuamente sentem-se, tantas vezes, mal vistos, porque menos produtivos e a reclamarem o seu direito ao descanso.
Todos sabemos que o trabalho é, antes de tudo, um preventivo contra o aborrecimento, que dá a satisfação de matar o tempo e possibilidades de êxito e de saída à ambição, havendo nele todas as gradações, desde o mero alívio do tédio às gratificações mais profundas. Se em excesso gera fadiga física, nervosa ou emocional podendo, segundo os especialistas, provocar neurastenia por exaustão corpórea ou psicológica, onde o amor à agitação pode conduzir ao não abandono do trabalho como “remédio” para uma cura fictícia, quando o verdadeiro “fármaco” deveria ser a desaceleração e o descanso.
A informática e as redes sociais reforçam e dão visibilidade a este excesso de trabalho e compromissos, mesmo que haja uma ilusão mediática e virtual de maior produtividade cada vez que são massivamente usadas.
Há, pois, que repensar este modelo de vida, tendo como referência primordial que o valor de uma pessoa não deve estar essencialmente amarrado à sua produtividade, há que reclamar e readquirir, com naturalidade e equilíbrio, o direito ao descanso, ao ócio e tédio criativo, ao não ruído, à não agitação, à contemplação, à pausa, ao silêncio. Nem podemos perder a capacidade de simplesmente não fazer nada. Nem do tempo livre, proporcionado pelo descanso, ter de ser sempre preenchido por mais, mais “trabalhos”.
O descanso tem de ser tido como um sinal de equilíbrio que cuida e nos aproxima de nós próprios, que se justifica por si e não precisa de ser justificado.
24.10.25
Joaquim M. M. Patrício