CRÓNICAS PLURICULTURAIS
232. O DESEJO E A SUA AUSÊNCIA
Na medida em que o desejo também nos puxa para o desconhecido, a curiosidade, os mistérios da vida, nos transforma e tira da inércia, do ócio, do tédio, programando o que poderá ou poderia ser, acaba por ser, de igual modo, uma manifestação de liberdade de expressão que se quer livre.
Se não reconhecido fica censurado, se reprimido torna-se silencioso, desembocando a ausência (de desejo), nesse contexto, em angústias, silêncios e numa previsível “infalibilidade” de quem reprime e não se assume como falível.
Contentando-se com o que é repudiado e o que poderia ser, a ausência de desejo apela, num certo enquadramento, à segurança, ao mito da normalidade, ao estabelecido e não questionado, ao não querer correr riscos, à arrogância de querer ter sempre resposta conhecida para o desconhecido.
O reconhecimento da nossa própria falibilidade, refutando a infalibilidade, faz parte do que faz alguém ter um desejo sério, fazendo progredir o conhecimento humano.
O desejo, como a liberdade, é inerentemente antiautoritário, autocorrigindo-se, ao invés da sua omissão.
Mas também é ambíguo, luz ou sombra, solar ou escuridão, de bom ou mau gosto, sendo o seu significado determinado pelo seu contexto de apresentação ou de expressão. Desejar é viver em estado de incerteza e de inquietação, é ser liberal, estar aberto à experimentação, à tolerância, à dúvida, à mudança, à refutação, ao erro, à diversidade, em conjugação com o facto de o ser humano ser, por natureza, incompleto ou imperfeito.
Há desejos que nos libertam e os que nos amarram, e os que reconhecem o mistério da vida a que não cede quem ousa pensar (ingloriamente) que tem resposta para tudo.
31.10.25
Joaquim M. M. Patrício