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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

2. UNIVERSALISMO VERSUS RELATIVISMO NOS DIREITOS HUMANOS (I)

 

A 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, positivando-os em normas universais, também consagradas e especificadas no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Merece também referência a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a criação do Tribunal Penal Internacional. 
Tidos como direitos iguais e inalienáveis, o artigo 1.º da DUDH proclama: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”.
Será que os direitos humanos são mesmo universais? Poderemos continuar a defender a sua universalidade, ou seja, que são direitos comuns a todas as pessoas e a todos os lugares? Mesmo sabendo que no plano mundial a sua natureza universal é constantemente ameaçada e é dececionante o seu efetivo cumprimento? 

 

2.1. A TESE UNIVERSALISTA 

Há uma identidade humana universal, em que a unidade do género humano se sobrepõe à diversidade das culturas humanas. É por referência a essa identidade humana comum e universal, bem como à irredutível dignidade da pessoa humana, comum a todas as pessoas e sustento da profunda unidade do género humano, que se justifica a natureza universal dos direitos humanos. Titulados por todos os seres humanos em virtude dessa condição, caraterizam-se pela universalidade, sendo esta uma sua caraterística e condição indispensável. 
A universalidade dos direitos humanos não significa uniformidade, rigidez ou inflexibilidade, nem impele os seres humanos a abdicarem da sua cultura, sendo compatíveis com os particularismos nacionais, regionais ou locais determinados pelas diferenças culturais, determinando as formas concretas que assumem e a sua eficácia, dado que a diferenciação cultural é enriquecedora para a sua concetualização.
Fala-se em direitos universais contextualizados, numa noção multicultural, numa mestiçagem, em equivalentes homeomorfos e no princípio da essencialidade dos direitos humanos, de modo a poder definir-se um conjunto de valores que sejam partilhados por todas as culturas mundialmente disseminadas. Um modelo mínimo ao alcance de todas as culturas, em que o seu fundamento reside em valores próprios da vida comunitária enquanto tal, independentemente da forma adotada. Valores que sejam “cross-cultural universals”, nas palavras de Alison Dundes Renteln.

 

2.2. A TESE RELATIVISTA  

A sua origem ocidental e a formulação concreta, concetual e linguística, encontrada pelo Ocidente para prestar homenagem à dignidade da pessoa humana, são causa de fortes críticas de autores relativistas contra a sua pretensa universalidade. Não são mais que uma retórica específica do Ocidente para homenagear a dignidade humana, traduzindo-se a sua universalidade numa arrogante expressão pública de aparente superioridade, numa racionalidade neocolonialista e unilateral de imposição de uma verdade, numa postura de ausência de respeito pela dignidade de outros seres humanos.
Trata-se, para os relativistas, da imposição de um modelo civilizacional liberal e ocidental, de uma inadmissível intromissão na soberania estadual, dado que não sendo a cultura universal, de igual modo os direitos humanos o não poderão ser. 
Assim, a prioridade dada ao indivíduo sobre o grupo é um desvio da natureza humana, sendo indefensável ter a pessoa humana como anterior à comunidade, acima ou independente dos seus valores. O individualismo é tido como responsável direto pela alienação e desenraizamento das pessoas, enquanto indivíduos, o que só pode ser superado pela recuperação dos valores comunitários, subordinando os interesses individuais aos do grupo. O que é comprovado pelo confronto entre a génese antropocêntrica da cultura ocidental, centrada na primazia do indivíduo, com a cultura africana ou asiática, aderentes de ideologias comunitaristas.
Não existindo uma única forma de ser humano, nem uma só maneira de o proteger através do Direito, são inaceitáveis e ilegítimas qualificações tendo como universais os direitos humanos, tidos como um produto histórico da civilização ocidental.
Entre o universalismo e o relativismo, há formulações intermédias, mas é entre o entendimento universalista e relativista dos direitos humanos que os seus defensores e críticos se posicionam.

 

05.12.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício