Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

54. UTOPIA TECNOLÓGICA E ÉTICA NA NOVA CULTURA DA MÁQUINA

 

Basta uma avaria no computador ou no telemóvel, para percebermos como estamos literalmente dependentes das máquinas.

Por maioria de razão em tempo de pandemia e isolamento. 

É como nos cuidados intensivos, sem essa união naufragamos.   

A capacidade de resistência à frustração diminui, desfalecemos.

Indicia-se que a cultura do humanismo, em que a pessoa humana é o centro de tudo, está em decadência.

Emergiu e emerge um novo agente transformador: a máquina.

Emergiu e sobressai uma nova categoria de máquinas, que combinam regras, algoritmos, componentes aleatórias, cada vez mais autónomas e com vida própria, e não meras ferramentas controladas por nós.

Da robótica à inteligência artificial, dos bebés-robô aos drones, do telemóvel ao computador, há máquinas que avaliam a situação e tomam a decisão mais adequada. Muitas delas, inteligentemente criativas, como as impressoras 3D, criando e inventando coisas, solucionando problemas, associadas a uma mega capacidade inventiva.

Vão deixando de ser apenas funcionais e úteis, vivendo cada vez mais em simbiose connosco, escasseando a nossa autonomia e aumentando a nossa dependência.

Somos cada vez mais pessoas-máquinas.   

Se é legítimo que somemos ao biológico o que há de melhor no artificial, numa espécie de fusão entre o natural e o que é produzido por mão humana, é imperioso que haja uma ética que imponha limites, quando já se prevê que a inteligência artificial venha a ler o pensamento humano.

A ser assim, qual a diferença entre a esfera pública e a privada? 

Entre o disponível e o indisponível?

Entre o intimismo mais profundo, o que nunca partilhamos com o outo, nem queremos partilhar, e o que aceitamos comunicar com os outros em geral?

Ninguém sabe tudo, nem tem que saber, da mundividência sigilosa de cada um de nós, do nosso pessoal e intransmissível.

Onde fica o nosso segredo, o nosso refúgio particular? 

Temos direito ao nosso mistério.   

Faz parte da natureza humana.

Sob pena de ficarmos perante o desconhecido.

Estamos perante uma cultura nova que ainda não se afirmou em pleno, que tem de se expressar de modo a não colocar em causa as nossas liberdades mais essenciais e existenciais. 

Com a transição da oralidade para a escrita, do virtual para o digital, evoluímos em termos civilizacionais, o que não significa que esse progresso seja sempre em linha reta,  linear, sabendo-se da queda e fragmentação de muitas civilizações após o seu auge.

Uma caneta, um lápis, o saber escrever à mão, um livro, são coisas cada vez mais dispensáveis, para muitos, mas permanecem indispensáveis como património comum da humanidade, por analogia com uma cama, uma cadeira, uma mesa, que sempre existiram. 

Evoluem com a evolução, ficando de arquivo da memória passada, mas também como reserva subsidiária e alternativa do presente e futuro. 

Também aqui a ética e as humanidades têm de interligar-se e relacionar-se com toda a ciência para frear tal utopia.

 

05.06.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

2 comentários

Comentar post