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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

68. DIGNITATIS HUMANAE


A dignidade não tem preço. Ninguém a pode comprar.   

É pessoal, inalienável e intransmissível.

Ao falarmos em dignidade humana falamos em direitos humanos, sendo estes a concretização efetiva do que é denominado como “dignidade da pessoa humana”.

Assumir os direitos humanos como um mínimo ético existencial que é expressão da dignidade humana, é tornar acessível ao ser humano todas as coisas de que necessita para ter uma vida digna: alimentação, vestuário, habitação, constituir família, direito ao trabalho, à educação, à saúde, à liberdade de informação, de religião, igualdade essencial entre todos, sem distinção de cor, raça, sexo, condição económica ou social.

Esta titularidade de direitos inalienáveis, positivados e reconhecidos como uma exigência de respeito pela dignidade da pessoa humana, tem deveres correspondentes.

Preocuparmo-nos só com a consagração de direitos, convencendo-nos de que a nossa dignidade nos obriga a reclamar sempre mais, é esquecer que a efetiva realização do Direito e dos direitos humanos passa, em grande medida, pelo cumprimento significativo de deveres. 

Por exemplo, o direito à vida tem, como correlativo, o dever de respeito pela vida nas suas mais variadas formas, o que implica, em especial, o dever de não matar, incluindo o de não destruir as plantas e de matar os animais sem causas de justificação. 

Refira-se, em especial nesta data natalícia, o reconhecimento a todos os seres humanos, pelo cristianismo, de uma inabalável dignidade, como filhos de Deus, extensiva a todos em igual medida, chamando a atenção para a “dignidade de cada homem concreto como filho de Deus” e para a “unidade do género humano”.   

E se é verdade que a doutrina cristã dignificou o Homem, estando igualmente na base da tomada de consciência da dignidade inviolável da pessoa humana, também é verdade que não conseguiu uma verdadeira igualdade entre os filhos de Deus, pois esse reconhecimento irredutível de dignidade não significou o reconhecimento de direitos, sendo a pessoa mais um beneficiário dessa dignidade do que um verdadeiro sujeito de direitos. Iguais perante Deus, os seres humanos mantiveram-se separados em razão do “berço”, o que é mais um privilégio para alguns do que um verdadeiro direito para todos.   

O que não é novidade, pois é destino das doutrinas, sendo fundamental a sua permanência e intemporalidade, resistindo e sobrevivendo às contingências, guerras, ruturas e revoluções, como sucedeu com o cristianismo.   

Mas a mensagem cristã perdura, com caraterísticas intemporais, deixando vigente um critério de identidade centrado na dignidade humana, referida pela Declaração Dignitatis Humanae, do Concílio Vaticano II: “Os homens de hoje tornam-se cada vez mais conscientes da dignidade da pessoa humana e, cada vez em maior número, reivindicam a capacidade de agir segundo a própria convicção e com liberdade responsável, não forçados por coação mas levados pela consciência do dever. Requerem também que o poder público seja delimitado juridicamente, a fim de que a honesta liberdade das pessoas e das associações não seja restringida mais do que é devido”.

Dignidade humana que o Natal também intenta recuperar, a que acresce o respeito pelos animais, na versão franciscana do presépio, por confronto com o apelo a um consumismo compulsivo, antítese de uma sã dignidade, a que muitos não resistem e, infelizmente, só assim se sentem “dignos”, em “dignidade”. 

Iguais perante Deus e não separados em razão do “berço”, um fim e não um meio ao serviço de interesses estamentais instituídos, eis o núcleo central de uma permanente mensagem natalícia que anseia por realização. 
 

Um feliz Natal, neste Natal pandémico.

 

24.12.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício