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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

D. ALEXANDRE NASCIMENTO

  
   D. Alexandre do Nascimento © António Cotrim/LUSA 2007


«Passa‑se por uma sebe em flor e sente‑se logo a primavera que se exala: no ambiente de O Tempo e o Modo respirava‑se, em estado natural, a cultura e o bom gosto». Quem o disse foi o Padre Alexandre Nascimento, futuro Cardeal de Luanda, quando vivia em Lisboa com residência fixa, tendo estabelecido uma relação privilegiada com o grupo da Livraria Moraes, em torno de António Alçada Baptista, que contava com João Bénard da Costa, Pedro Tamen e Nuno Bragança. Aí não apenas desenvolveu uma militância cívica assinalável, uma reflexão religiosa muito rica, com a criação de elos muito profundos que preparavam o futuro da independência da nação angolana. Escritor de rara sensibilidade, escreveu em três volumes um livro indispensável O Meu Diário (Luanda, 2017), que testemunha o percurso determinado de um sereno combatente da liberdade e do Estado de Direito. A tradução que fez, para a Moraes, do Diário Íntimo do Papa João XXIII constitui um documento importante, onde se nota a grande maturidade do clérigo, que muito bem compreendeu os sinais dos tempos, o aggiornamento e a força reformadora que conduziu ao Concílio Vaticano II, pondo em causa o eurocentrismo eclesial e abrindo horizontes para o ecumenismo. Havia, de facto, que lançar as bases de uma Igreja Católica que compreendesse o novo mundo, as novas nações africanas e a sua capacidade emancipadora.


Como salienta João Miguel Almeida no ensaio publicado na Lusitania Sacra (nº 46, julho-dezembro 2022), “quaisquer que fossem as ligações de Alexandre Nacimento aos nacionalistas angolanos”, o certo é que desenvolveu uma apurada consciência crítica do colonialismo português. Os seus comentários escritos no diário são muito significativos. Não cala a solidariedade com os padres sujeitos a vigilância do regime (como Vicente Rafael) ou mesmo sujeitos a prisão como o Monsenhor Manuel das Neves. Mantém contactos com Nuno Teotónio Pereira e Natália Duarte Silva, com Frei Bento Domingues e com o Padre Alberto Neto, com especial preocupação na divulgação das notícias mais relevantes da situação colonial, designadamente em iniciativas do Centro Nacional de Cultura. No período do desanuviamento, em que o Bispo do Porto regressa ao País, é recebido por Marcelo Caetano em julho de 1969, sendo autorizado a ir a Angola para visitar sua mãe, podendo deslocar-se ao estrangeiro desde que o comunicasse…


Depois da independência, desempenhou um papel fundamental, estabelecendo intensos contactos políticos, com Lúcio Lara e Pepetela, ou com o seu antigo aluno José Eduardo dos Santos, e também com a UNITA, sendo reconhecido como fator de unidade pelos clérigos angolanos, assumindo uma atitude moderada, mas firme. Mário Soares admirava-o profundamente, considerando-o como um exemplo único de conciliação no clima de guerra civil. Em 1983, foi o primeiro angolano a ser investido como Cardeal. De 1986 a 2001 exerceu funções na Arquidiocese de Luanda, tendo tido um papel insubstituível como fator de unidade em Angola. A coragem notou-se quando esteve detido na Jamba em 1982 e foi libertado após o apelo do Papa João Paulo II.  Evitando dramatizar o episódio, afirmou: «Tenho por norma ser o mais reservado possível relativamente a esse episódio da Jamba. O meu papel é unir. Não gostaria que uma afirmação minha prejudicasse qualquer das partes. Sou irmão de todos e ministro da reconciliação». 


GOM