E SE O NATAL FOSSE NA RUA?
Existiria uma sabedoria, um afeto, uma solidariedade, para quem o decisivo não fosse o egoísmo do bem-estar pessoal, mas sim, a realidade do mundo que somos se o Natal hoje se passasse na rua.
Funda e extraordinária experiência, o desafio de, pelas horas x do dia 24 de Dezembro, irmos saindo de casa para nos encontrarmos todos na rua, fosse a rua onde fosse, a celebrar este evento fundador, em que a real prova, seria uma imensa mesa de amor sob a noite que abarcaria uma sincera preocupação pela incomunicabilidade das pessoas.
A prova real de sermos gente, seria uma busca à razão dos conflitos, dos sofrimentos, das injustiças, dos desamores, da pobreza, da ingratidão, do desinteresse, promovido pelas sociedades que usam os templos da euforia comercial, qual dieta do coração, ficticiamente acalmada em torno de uma refeição em casa de muitos, com árvore de luzes ou missa do Galo cumprida, solução temporária de apaziguamento ao incómodo eventual do dia-a-dia ou exaltação discreta à bondade que, igualmente, cada um, a si mesmo se atribui ter em boa dose.
E afinal na rua bastaria um olhar, uma quente porção de sorriso, uma mão, e nela, uma estrela feita de lã com a promessa de cumprirmos o pensar do que nos tornámos afinal, quando já só as lágrimas são o mistério, quando já só as lágrimas nos ensinam.
Depois, pela noite fora, um fascinante laboratório de vida, iria passear-se em cada rua onde historicamente a nossa vida foi mais vivida, ou não, mas intuía-se o quanto o não se faz perto.
Nas aldeias a grande fogueira era sim, um modo irrecusável de convite ao estarmos perto uns dos outros: ao saber partilhar pão.
As crianças, arquitetas da comunicação, viabilizariam a autoestrada dos rires espontâneos e em instantes de recolhimento, cada um seria avô ou avó e indicaria uma estrela reacendida ao extremo por nada e por tudo, reacendida fulgurantemente porque o Natal era na rua.
E a chave do entendimento fundamental não roda na fechadura. Nem tem de rodar. O Natal na rua assiste à doença, mas não a cura. Ainda.
O Natal na rua, por ora, seria um intervalo a uma vida que nasceu submissa e esfarelada em pó e uma outra de consciência alheada à realidade e ainda uma outra convicta de que fez o suficiente ou o que lhe era possível.
Todavia se o Natal fosse na rua, conheceríamos o sol da noite e este na expectativa do outro sol, seria o início, a força de um futuro do homem já não em declínio, antes corsário e peregrino de um texto que, passando a estar entre todos, dele, a luta e a decifração, deixaria de ser vida perdida, e nós deixaríamos de nos sentirmos perdidos de todo.
E se o Natal fosse na rua uma interioridade da fala de todos? Um poeta que pôde resistir?
Teresa Bracinha Vieira