ECONOMIA HUMANA
Foi Eduard Bernstein (1850-1932) quem melhor leu criticamente a obra de Karl Marx, uma vez que acompanhou diretamente o percurso intelectual do autor alemão, sendo também muito próximo de Friedrich Engels, de quem, aliás, foi testamenteiro. Estudioso dos economistas marginalistas, demonstrou com clareza as limitações da conceção de David Ricardo sobre o valor dos bens, corrigindo a dialética de Hegel, com recusa do determinismo e da ideia do capitalismo como fase transitória, antes de um final comunista. Por outro lado, libertou-se do utopismo de Saint Simon, com a distinção de ociosos e laboriosos, pondo a tónica na afirmação essencial do movimento e não do objetivo. Ou seja, o fundamental seria a ideia de reforma gradual associada ao respeito pela liberdade expressa na legitimidade do voto dos cidadãos e na mediação das instituições. A recente obra de António Rebelo de Sousa “Da Reforma do Capitalismo” (Guerra e Paz) constitui uma excelente oportunidade para podermos ter uma visão de conjunto sobre a mais recente evolução da ciência económica, considerando a complexidade nas ciências sociais e a prevenção contra o risco utópico totalitário de uma sociedade final supostamente conciliada. Numa análise pedagogicamente exemplar, o autor desconstrói as visões redutoras, começando pela análise da perspetiva marxista-radical pessimista, com base nos contributos de Michael Hudson, passando para a perspetiva liberal reformadora de Timothy Geithner, seguindo para a leitura de Paul Collier e para o pensamento dinâmico de Mariana Mazzucato, culminando na perspetiva teórica “hipercriativa” de Thomas Piketty.
A preocupação constante desta visão panorâmica tem a ver com a procura da compatibilidade entre o sistema capitalista e a democracia política, encarada não apenas como método de escolha dos governos, mas como sistema de valores. Se Hudson parece acreditar numa alternativa ao modelo ocidental que fosse ao encontro da suposta eficiência dos coletivismos russo e chinês – a verdade é que não podemos esquecer o evidente risco totalitário, na aceção de Hannah Arendt, o capitalismo selvagem siciliano de uma Rússia que tem esquecido a cultura ancestral de Leão Tolstoi, bem como a muito fraca competitividade financeira desses países. Já Timothy Geithner insiste na regulação anti-cíclica, na auto-reforma e no planeamento estratégico, para responder aos problemas energéticos, demográficos, da exclusão e da pobreza, da saúde, da educação e formação. Para Paul Collier, capitalismo e democracia representativa completam-se, em nome de uma rede de obrigações recíprocas que devem favorecer a inclusão e a partilha de responsabilidades, envolvendo a satisfação das necessidades dos stakeholders, numa lógica de eficiência e equidade, de participação e mediação no governo das empresas. Por isso, Marina Mazzucato insiste na partilha pública de responsabilidades e na prioridade na gestão das empresas centrada em decisões e investimentos capazes de gerar maior rendibilidade no longo prazo – passando a haver uma maior progressividade na tributação dos rendimentos de capitais e condições práticas para o seu carácter multiplicador, com reforço da auditoria e da compliance, para reduzir possibilidades de sobrevalorização de custos e de eventual corrupção. Thomas Piketty, ao propor o voluntarismo de um capitalismo socializante e democrático, enfrenta resistências como as catástrofes ambientais, a concorrência entre grandes potências e a ascensão chinesa – o que pressupõe incertezas e resistências duradouras. E a referência à Inteligência Artificial é indispensável, vista como oportunidade e como instrumento necessário. E temos de lembrar o exemplo da “Nova Fronteira” do Presidente Kennedy, ao pôr o homem da Lua numa década, como impulso global envolvendo conhecimento, investigação científica, decisão e avaliação. Eis a esperança no coração da Economia humana que esta obra de leitura fundamental bem analisa.
GOM