EDUCAÇÃO PARA A ECOLOGIA
O étimo das palavras pode abrir-nos portas aparentemente difíceis de abrir. Neste caso da ecologia, temos oikos, palavra grega para casa, e logos, razão, tratado: o tratado da casa, da casa de cada um, de cada família, de cada país, da casa comum da Humanidade. A ecologia está inevitavelmente ligada à economia, e lá está de novo oikos, casa e nomos, lei, governo: cada um deve governar a sua casa, as famílias também, os países têm um governo que deve governar, e hoje, sendo todos interdependentes mais do que nunca, por causa da globalização, precisamos de uma governança global para a casa de todos, a casa comum da Humanidade. Em conexão com ecologia e economia está a ética, que tem um duplo étimo: ethos, que, segundo se escreva, em grego, com épsilon ou eta, significa, respectivamente, uso, costumes, e habitação. Assim, ligando as três palavras, a questão é esta: que comportamento ter para podermos todos habitar bem na casa comum da Humanidade?
Foi o biólogo alemão, discípulo de Darwin, Ernest Haeckel, que criou a palavra ecologia em 1866. Definiu-a, e cito o recente livro de Leonardo Boff, Uma ecologia integral, no qual me inspiro concretamente para as estatísticas, como “o estudo das relações de todos os seres vivos e não vivos entre si e com o seu ambiente. Todos vivem juntos na Casa Comum, que é a Terra, e juntos apoiam-se mutuamente para alimentar-se, reproduzir-se e co-evoluir.”
A idade do Universo é de uns 13.700 milhões de anos, com o Big Bang; a Terra terá uns 4.400 milhões de anos; a vida terá começado há uns 3.800 milhões de anos; depois, a vida foi evoluindo e complexificando-se e apareceu o sapiens e depois, há uns 150.000 anos, o sapiens sapiens, o homem actual: sapiens sapiens e demens demens, é preciso acrescentar sempre. De qualquer modo, é em nós que o gigantesco processo da evolução sabe de si, e sabemos de nós: somos conscientes de ser conscientes, somos, cada um, uma sujectividade, alguém, alguém que diz “eu” de modo único.
Sobretudo nos últimos 300 anos, com a revolução industrial e o paradigma tecnocrático e hiperneoliberal, o Homem, esquecendo que também é Terra e que tudo está ligado com tudo, como lembrou o Papa Francisco na encíclica que fará história, Laudato Sí, arvorou-se em senhor e dominador da Terra: scientia est propter potentiam (F. Bacon): a ciência é por causa do poder e é poder; somos seigneurs et possesseurs de la nature: senhores e dominadores da natureza, proclamou Descartes. No imaginário dos fundadores da sociedade moderna, lembra L. Boff, “o crescimento e o desenvolvimento movem-se em dois infinitos: o infinito dos recursos naturais e o infinito do crescimento e do desenvolvimento olhando para o futuro.” Pura ilusão, pois é sabido que os recursos são finitos e, num mundo limitado, não é possível um crescimento ilimitado, como há muito tempo aqui venho repetindo.
Os números estão aí, alarmantes. Assim, cálculos realizados por organismos das Nações Unidas mostram que, se os países ricos, 20% da população mundial, quisessem universalizar o seu padrão de riqueza, precisaríamos de mais três Terras iguais à nossa, que não existem.
Este tipo de sociedade, sociedade do consumismo voraz, criando inclusivamente necessidades aritificiais, produz dois tipos de injustiça: “a injustiça social e a injustiça ecológica”, de tal modo que o grito dos pobres é igualmente o grito da Terra e vice-versa. Criam-se profundas e gritantes desigualdades sociais, a ponto de 20% da população mundial possuir 80% de toda a riqueza da Terra. As três pessoas mais ricas do mundo acumulam activos que superam a riqueza dos 48 países mais pobres do planeta, 600 milhões de pessoas aproximadamente. Gritante: 257 pessoas acumulam mais riqueza do que 2,8 mil milhões de pessoas. O resultado desta situação reflecte-se em quase mil milhões de pessoas a passar fome e 2,5 mil milhões a viver abaixo do limiar da pobreza, sobrevivendo apenas com 2 dólares por dia. Outra consequência é que, para lá de todo o sofrimento e humilhação das pessoas, a cada ano morrem, antes de chegar aos 5 anos, 15 milhões, por causa de doenças que seriam facilmente tratáveis.
Esta injustiça social anda associada à injustiça ambiental, que se traduz no “mau trato da natureza, das florestas, dos animais, das águas, do ar, dos solos.” A espécie humana já ocupou 83% do planeta, e “ocupou-o devastando-o”. No processo da evolução, desaparecem naturalmente em cada ano à volta de 300 espécies. Mas, por causa da voracidade humana, desaparecem anualmente entre 70.000 e 100.000 espécies. E acaba-se com a biodiversidade. A quantidade de poluentes lançados para a atmosfera produz o efeito de estufa, que causa o aquecimento global, que se tem acelerado, com o perigo grave de se exceder o limite que a Terra poderia suportar: suponhamos um sobreaquecimento entre 1,4 e 6 graus Celsius ou mais; o resultado seria, com o degelo nos polos, um aumento tal de água nos oceanos que levaria à destruição de cidades costeiras e à morte de milhões e milhões de pessoas... As alterações climáticas já estão aí e podem, segundo alguns cientistas, ter impulsionado o aparecimento da covid-19. E quem pensa nas gerações futuras?
Impõe-se pensar e agir. É da sobrevivência da Humanidade que se trata. Como escreveu o Papa Francisco, “a educação será ineficaz e os seus esforços estéreis, se não procurar também aprofundar um novo paradigma sobre o ser humano, a vida, a sociedade e a relação com a natureza.”
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN | 13 FEV 2021