ÉRAMOS ASSIM NOS ANOS SETENTA...
Foi pelos meus verdes anos de actividades subversivas nas associações de estudantes da Universidade. Um amigo (tu, Mário Mesquita? tu, Jorge Silva Melo?) falou-me de uma conferência a não perder num lugar de Lisboa chamado “Centro Nacional de Cultura”.
- Centro Nacional de Cultura? Isso é fascista! – protestei logo.
O regime tinha-nos roubado a própria ideia de Nação, para a reduzir àquela odiada ideologia de extrema direita vigente e reinante no nosso país. “Nada contra a Nação” significava então “nada contra a república unitária e corporativa e sua democracia orgânica”.
O amigo explicou-me que não, que este centro nacional não era uma instituição do regime, era um lugar de liberdade.
A primeira vez que lá fui, bem antes do curso do Eduardo Prado Coelho sobre o estruturalismo, onde encontrei a menina que mais tarde se dispôs a casar comigo, bem antes das conferências da Maria Belo (tão bonita!) sobre psicanálise lacaniana, onde o meu id se debatia em vão com o meu ego, nessa primeira vez estava na sala um homem alto e muito assertivo, que depois soube ser Francisco Sousa Tavares, pai do meu colega Miguel e marido da muito por mim admirada poeta Sophia.
Ora a certo ponto da conferência (de quem?) ouviu-se da rua (janela aberta, verão portanto ou primavera) vozes dirigidas ao lugar onde estávamos, insultando em tom vulgar e ordinário o “Tareco”.
Eu não sabia quem era o “Tareco”, mas vi Francisco Sousa Tavares levantar-se, muito calmo, e explicar:
- São os pides. Saem da António Maria Cardoso, aqui ao lado, e vêm cá meter-se comigo.
Dirigiu-se então à janela e durante alguns minutos trovejou aos pides da rua troças e vitupérios do mais profundo desprezo.
Fez-se silêncio e Sousa Tavares voltou ao seu lugar, muito risonho, e pediu que fosse retomada a sessão.
Ciente então do que era o Centro Nacional de Cultura, passei a frequentá-lo desde esse dia.
Feliz aniversário!
Luís Filipe Castro Mendes