Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

EUROPA E PATRIMÓNIO CULTURAL

  


José Maria Ballester (1940-2025) era um genuíno amigo de Portugal. Foi um protagonista fundamental no Conselho da Europa em Estrasburgo, no departamento do Património Cultural, que ele conhecia como ninguém. Quando lançou o projeto dos roteiros culturais, recorreu a Helena Vaz da Silva para poder usar o seu entusiasmo e a sua imaginação ao serviço de um projeto matricial da construção europeia. Tantas vezes mo lembrou, dizendo que fizera inesperadamente uma descoberta de que todos beneficiaram. Nada melhor do que avançar com o paradigma dos Caminhos de Santiago, ainda por cima sabendo que a língua galaico-portuguesa como idioma dos trovadores está na origem do falar vulgar que D. Dinis tornou língua oficial dos tabeliães. Pode dizer-se que a Europa de lés a lés está ligada pelo espírito dos Caminhos de Santiago e pelos diversos percursos de peregrinação, descoberta de um destino e de um sentido de vida. E tais vias permitem a ligação entre povos e culturas diferentes. Longe de uma perspetiva passadista ou melancólica do património e da cultura, o que estava em causa era uma visão dinâmica e complexa, considerando as cidades, os territórios, a relação com a natureza, a paisagem, a inovação científica e técnica, o património digital, sem esquecer a criação artística contemporânea.

Foram longas as conversas que tivemos sobre estes temas, e não esqueço como considerou a Convenção de Faro do Conselho da Europa sobre o valor do património cultural na sociedade contemporânea de 2005 como uma herança viva do seu pensamento, na sequência da Convenção da Paisagem (Florença, 2000). O seu incentivo permanente foi inesquecível. Os valores europeus e democráticos é que estavam em causa, e por isso lembro um outro amigo comum, José Vidal Beneyto (1929-2010), sempre um resistente democrático, que também nos legou uma reflexão muito séria nestes domínios. As causas da liberdade e da paz são cada vez mais necessárias e quando falamos do património cultural material e imaterial, a verdade é que estão em causa pessoas, cidadãos e sociedades. Os acontecimentos trágicos no leste europeu desde o conflito dos Balcãs até à Geórgia ou à Ucrânia recolocaram a reflexão sobre o património cultural na ordem do dia, através do conceito necessário de património comum e de partilha de responsabilidades.

A Europa Nostra e a Hispania Nostra foram iniciativas fundamentais em que José Maria Ballester sempre esteve envolvido, com o objetivo de congregar vontades e de reforçar instituições com vista à defesa da Educação, da Cultura e da Ciência. Para ele não havia compartimentos estanques, separados entre si. A sua personalidade era o exemplo da inteligência e do bom senso. Acreditava nas equipas, nos princípios éticos e na confiança. Todas as decisões que propunha e que adotava eram profundamente ponderadas e com sólida fundamentação, assim se impôs no serviço público que desenvolveu. A democracia apenas se afirma pela cidadania cultural, pela liberdade e pelo respeito das gerações que nos antecederam e das que irão suceder-nos.  Ballester era da estipe de Unamuno, de Ortega y Gasset ou de Maria Zambrano, para quem a cultura apenas se afirma em diálogo entre os pensadores e o povo, entre o sentimento trágico e a criatividade da vida. Daí a conceção de património cultural como realidade viva e como apelo permanente ao protagonismo e à emancipação. 


GOM