EVOCAÇÃO DO TEATRO DE JORGE DE SENA
Foi noticiada a morte de Mécia de Sena, viúva de Jorge de Sena (1919-1978), escritor e dramaturgo de grande prestígio e qualidade. De assinalar que Mécia completara exatos 100 anos, o que obviamente merece referência. Era irmã de Óscar Lopes, o que desde logo reforça a ideia de uma sólida formação e atividade de escrita e de cultura.
Aqui evocamos então novamente a obra dramatúrgica de Jorge de Sena, desde logo pondo em relevo a qualidade e abrangência cultural deste autor, que tanto marcou e marca a literatura portuguesa.
E no que toca ao teatro, é adequado lembrar outra vez a abrangência dessa dramaturgia, de certo modo algo inesperada num escritor que tanto marcou como tal a sua geração, mas que sobretudo completou, digamos assim, a sua atividade literária com diversas abordagens da criação teatral.
Como já tive ocasião de escrever, o teatro de Jorge de Sena representa a mais acabada continuidade e complementaridade entre o surrealismo e o classicismo. E isto porque, se abstrairmos um ato breve de toada realista-naturalista, “Luto” (1938), nos 18 anos do autor, a grande entrada de Jorge de Sena no teatro faz-se através de um texto exemplar na reformulação da estrutura e da linguagem clássica. Trata-se de “O Indesejado (António, Rei)” - 1945), tragédia da negação do sebastianismo e texto exemplar na contenção grave, compassada mas muito intensa da sua linguagem poética ( in “ História do Teatro Português” ed. Verbo 2001 págs. 299/300).
Enumero as restantes peças que Jorge de Sena publicou, isto para além de mais esboços, obras incompletas ou intenções expressas mas não concretizadas. E refiro então essas seis peças:
“Amparo de Mãe” (1948), “Ulisseia Adúltera” (1948), “A Morte do Papa” (1964), “O Império do Oriente” (1964), “O Banquete de Dionísios” (1969), “Epimeteu ou o Homem que Pensava Depois” (1971).
Este conjunto dramático assume diversificados estilos. Só como exemplos, referirei designadamente o verso de “O Indesejado”. Acrescento o surrealismo subjacente de “Amparo de Mãe” ou de “Ulisseia Adúltera”, isto para citar, precisamente, as três primeiras peças conhecidas do autor.
E saliento que em “O Indesejado”, como referi a peça inicial conhecida desta dramaturgia, a qualidade da versificação desde logo revelaria o sentido de conciliação da escrita e da cena, ou, dito de outra forma, do texto e do espetáculo.
E a propósito, cito Luiz Francisco Rebello, que qualifica Sena como poeta, assim mesmo, e que qualifica “O Indesejado” como “admirável tragédia histórica em verso branco”.
Luiz Francisco Rebello refere o próprio Jorge de Sena, o qual sobre esta peça escreveu que se trata da “tragédia de uma consciência nacional lutando contra a abstração e sujeição crescente do seu próprio destino”. E acrescenta Rebello que a peça “opõe ao mito sebastianista a desencantada lucidez de uma condição humana portuguesa moldada pela fatalidade histórica”... (in ”Breve História do Teatro Português”).
E essa visão permitiu-me referir a qualidade aglutinadora da obra teatral de Jorge de Sena: pois como escrevi em “Introdução do Teatro Português do Século XX” (Espiral Editora), “para lá das disparidades, não há dúvida, estamos perante uma obra una, inteira, comum”!
DUARTE IVO CRUZ