FAZER RENASCER A EUROPA?
Robert Schuman
Quando Robert Schuman, ministro da França, proferiu em 9 de maio de 1950 a célebre declaração que lançaria as bases da Comunidade Europeia, fê-lo ciente de que seria necessário ir além dos grandes princípios, propondo passos concretos. De facto, a paz mundial apenas poderia ser salvaguardada com um esforço criativo que estivesse à altura dos riscos que espreitavam. Havia que evitar os erros de Versalhes em 1919. “A contribuição que uma Europa organizada e dinâmica pode dar à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacíficas”. Contudo, um compromisso europeu não se constrói de uma só vez, nem segundo um plano único. Essa construção far-se-ia através de realizações, capazes de criar “uma solidariedade de facto”. Em vez das “guerras civis” europeias, haveria que promover uma união de nações livres e soberanas, reunidas por um interesse vital comum - a reconstrução de um continente dizimado pela guerra. Hoje, porém, estamos sob a ameaça da irrelevância.
Vivemos até aqui sob a proteção dos Estados Unidos, mas esse tempo chegou ao fim duradouramente. Há setenta e cinco anos, Schuman propôs “subordinar o conjunto da produção franco-alemã de carvão e de aço a uma Alta Autoridade comum, numa organização aberta à participação dos outros países da Europa”. Tal coordenação de produções garantiria o estabelecimento de bases comuns de paz e desenvolvimento, no que seria a primeira etapa de uma federação europeia, “mudando o destino de regiões que há muito se dedicam ao fabrico de armas de guerra e delas têm sido as principais vítimas”. Contudo, a lógica das armas tem de ser instrumental relativamente à coesão social e à lei. E o caminho então seguido foi prometedor. Porém, agora tal sentido sofreu um perigoso abalo, perante uma profunda alteração de circunstâncias, ditada pela paradoxal convergência perversa entre os Estados Unidos e a Federação Russa, fruto do conflito na Ucrânia.
Assim, a declaração de Robert Schuman torna-se inesperadamente atual, uma vez que põe sobre a mesa não só a necessidade de uma visão comum quanto à defesa e segurança da Europa, mas também a exigência de uma nova perspetiva quanto à salvaguarda dos interesses e valores comuns. Para além de boas intenções, importa articular objetivos realistas que coloquem nos dois pratos da balança a dissuasão na defesa militar e estratégica e a coesão económica e social. Desvalorizar a Europa social constituirá um caminho suicida que só agravará a irrelevância. A transição digital e a defesa do meio ambiente, a sustentabilidade e a equidade, o desenvolvimento e o respeito dos direitos humanos obrigam a ações consistentes e continuadas no sentido da afirmação do primado da lei e de uma partilha de responsabilidades no mundo global. Em lugar de um entendimento imperial das relações internacionais ou de uma perigosa lógica de conquista do espaço vital, urge pensar na Europa não como fortaleza ou espaço decadente, mas como um polo regulador e mediador em nome do desenvolvimento humano. A paz mundial apenas poderá ser salvaguardada através de um esforço criativo que esteja à altura dos acontecimentos. A Ucrânia é hoje um símbolo da Europa contemporânea, encruzilhada do ocidente e do oriente e reminiscência de dois impérios. E o renascimento da União Europeia obriga a uma convergência inteligente em que os interesses e os valores éticos comuns prevaleçam.
Em memória do meu amigo Manuel Sérgio, pensador da dignidade humana.
GOM