GILLES LIPOVETSKY E JEAN SERROY
A cultura transformou-se em mundo, em cultura-mundo, em cultura planetária dos media, das redes digitais, a cultura do consumismo planetário. Nasce assim a hipercultura universal, que, ultrapassa fronteiras e baralha, reconfigura o mundo, a civilização, perdendo-se a coerência da própria explicação do que nas gentes é motivo de agir ou de pensar.
Ao mundo de ontem sucedeu-lhe o mundo da economia política da cultura, sucedendo-lhe igualmente os fluxos de hierarquias de redes, da moda, do mercado, girando tudo na tal circunferência que estando em todo o lado não possui centro em local algum.
Na Grécia dos filósofos já surgira uma noção de cultura-mundo, bem como na Europa das Luzes que exaltava os valores da liberdade e da tolerância, e bem nos recordamos que Dante já havia escrito “A minha pátria é o mundo em geral”. Schiller também escrevia como cidadão do mundo e dizia ele que cedo abandonara a sua pátria para a trocar pelo género humano. Contudo esta é uma cultura-mundo com um profundo ideal ético e humanista que entende ser o amor à humanidade superior ao da cidade.
Ora o nosso tempo é testemunha do surgimento de uma outra época da cultura-mundo, o mundo sem fronteiras dos capitais, um mundo de modelo único de normas e valores que determina o fim da heterogeneidade da esfera cultural. O enorme desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação tornou possível o cibermundo que difunde por todo o planeta imagens, filmes, músicas, modos de existir num profundo envolvimento e consagração da lógica do espectáculo, e desta forma uniformiza o pensamento, manipulando opiniões, infantilizando raciocínios e debates. A arte segue as regras mercantis perdendo a sua função nas realidades sociais. Por todas estas razões que mais não fossem suficientes, a cultura-mundo passa a cobrir um vastíssimo território, muito para além da “cultura culta” tão querida ao humanismo clássico. O livro de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, parte da hipótese de que se instalou um modelo de sobreinvestimento no presente e no curto prazo que mobiliza memórias religiosas e identitárias, não descurando as reivindicações particularistas, tornando apenas operatórios os princípios da modernidade remodelada a cada dia pela lógica do individualismo e do consumismo, face a face ao mundo hipermoderno desorientado e inseguro. Assim, haverá que civilizar a cultura-mundo em vez de tentar mudar o mundo?
Esta uma das análises que nos propõe o reconhecido filósofo e sociólogo francês Gilles Lipovetsky e Jean Serroy autor de várias obras sobre a literatura do sec XVIII e conhecida obra dedicada à produção cinematográfica das últimas décadas.
De reflectir que se desejamos viver melhor em conjunto, a cultura democrática está em aberto e por inventar, e há que mobilizar inteligência.
Já escrevi sobre este livro na perspectiva de reanalisar o compreender, o participar e o ultrapassar-se e nunca me afastei do que então escrevi, tendo em conta o trabalho que desenvolvia: é imperioso que se repensem as universidades. Encontro-as doentes desconhecendo o seu papel, caracterizadas agora pela inutilidade do rápido ensinar. Disse e escrevi muitas vezes e por abordagem através de diversos ângulos.
Alain Renault – autor do livro A Era do Individuo - diagnosticou muitos dos males de que padecem as universidades, nomeadamente sem que alunos e docentes se preocupem com a refundação dessas instituições tendo em consideração o que é a hipermodernidade, e devolver assim a Universidade à sua missão. Enfim, talvez que os estudos universitários devessem começar pela cultura da história, a fim de evitar que a cultura se vingue também, através das políticas de quotas miméticas, e, possamos nós, de algum modo, regressar à função antropológica da cultura: educar, fornecendo objectivos e horizontes que limitem a desorientação dos seres humanos e os recolha a uma estima de si.
Teresa Bracinha Vieira
Setembro 2015