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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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LUANDINO VIEIRA

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Ourém homenageou Luandino Vieira, um dos seus mais ilustres conterrâneos, natural de Lagoa do Furadouro, para surpresa de alguns, já que a celebridade do escritor angolano e até o seu pseudónimo se devem à ligação íntima que estabeleceu com a cidade de Luanda. Tratou-se de uma iniciativa plena de significado, e foi com emoção que pudemos usufruir dos trabalhos realizados pelos estudantes das escolas sobre a obra do escritor. Ficou mais uma vez demonstrado como a atividade educativa pode desempenhar um papel fundamental não apenas na troca e difusão de conhecimentos, mas também na mobilização das comunidades no desenvolvimento da educação para a cidadania, pela construção de uma escola de cidadãos, como pretenderam os melhores pedagogos, de Maria Montessori ou John Dewey até aos nossos Luísa e António Sérgio. Que melhor promoção da cultura senão através da leitura participada? As bibliotecas escolares estão, assim, no centro de qualquer vida cultural. E deste modo pudemos reler com os olhos de sempre a obra de Luandino Vieira, designadamente “Luuanda”, através da sensibilidade de alunos e professores de Ourém.

 

Graças à iniciativa de Agripina Carriço Vieira, foi possível mobilizar o Município de Ourém e o Instituto Politécnico de Tomar numa importante reflexão sobre a vida e o exemplo do escritor luso-angolano. E Roberto Vecchi visitou os “Papeis da Prisão” como testemunhos vivos da revelação do que Eduardo Lourenço designou como o “nosso impensado”, a resistência e o combate pela liberdade. A força da cultura da nossa língua evidencia-se em tal determinação. E nessa reflexão, José Luís Pires Laranjeira, Lívia Apa, Tânia Macedo e Francisco Topa abriram horizontes sobre a vitalidade cultural de quando no livro “Luuanda” os casos se passaram “no musseque Sambizanga nesta nossa terra de Luanda”. E eis que podemos descobrir o que Carmen Tindó Secco afirmou sobre o facto, “de um modo próprio e genial”, de Luandino ter recriado “a língua portuguesa para refletir a oralidade angolana”. Vem à memória “Sagarana”, o inesquecível livro de contos de João Guimarães Rosa, cujo espírito renovador se projeta na escrita de “Luuanda”. E assim seguimos as três narrativas capitulares: “Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos”, “A estória do ladrão e do papagaio” e “A estória da galinha e do ovo”, que tanto entusiasmaram os jovens leitores de hoje, surpreendidos pelo inesperado da criatividade vivida entre o português e o quimbundo, língua viva dos musseques. Como afirma Margarida Calafate Ribeiro: esta obra “ganhou um lugar tanto na história portuguesa como na angolana como um momento chave de enfrentamento”.

 

Quando Luandino Vieira recusou receber o Prémio Camões em 2006, fê-lo com o argumento que não tinha então uma ação continuada no mundo literário. Contudo fica claro que a sua presença na cultura da língua portuguesa é marcante como demonstrou o Grande Prémio de Novelística atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores em 1965, que originou a perseguição política e o brutal fecho da instituição presidida por Jacinto do Prado Coelho. O júri constituído por Alexandre Pinheiro Torres, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho, João Gaspar Simões e Manuel da Fonseca reconheceu de forma pioneira uma obra muito importante na moderna literatura portuguesa, daí que o Prémio Camões caiba com inteira justiça a Luandino Vieira, numa análise global de tudo o que nos deixa. 

 

GOM