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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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MALES QUE VÊM POR BEM

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    Grand Place, Bruxelas © Celuici_creative commons


Há males que vêm por bem, como diz o povo. O regresso dos fantasmas do protecionismo americano tem precedentes, lembramo-nos da História, cada vez mais esquecida. E temos de recordar, no sentido inverso, Franklin Delano Roosevelt, que em aliança com Winston Churchill, foi o primeiro responsável por um momento decisivo de afirmação da influência americana no mundo. Quando hoje se fala de regressar a um passado glorioso que outra lembrança poderá haver senão a dessa “Pax Americana”? Por isso, a tentativa de destruição dessa herança constitui uma contradição nos termos e um jogo perigoso, de efeitos imprevisíveis. Infelizmente, lê-se muito pouco, mesmo nas mais altas instâncias, e esse desconhecimento não tem apenas a ver com a dimensão histórica, mas também com o reconhecimento científico e cultural da América, como País de acolhimento. Lorde Keynes com as suas análises argutas da realidade económica foi o grande inspirador do “New Deal”. Hoje, pelo contrário, parece prevalecer o método das impressões gerais, que dificilmente pode funcionar. Pode contentar momentaneamente um eleitorado sedento de pão e circo, mas no largo prazo está condenado ao fracasso. Eis o ponto em que nos encontramos. A Europa está confrontada com responsabilidades, que não se traduzem apenas no mercado das armas, mas exigem a adoção de uma nova dissuasão num mundo de polaridades difusas, com recurso ao método das cooperações reforçadas, garantindo que possam avançar os Estados que quiserem e estiverem melhor preparados.

O guarda-chuva protetor americano e a iniciativa Marshall foram importantes na reconstrução do mundo destruído por duas guerras mundiais. Todos beneficiámos. Mas hoje os tempos são outros, importando não voltar aos erros que conduziram ao desastre de há um século. Lembramo-nos da afirmação de Jean Monnet: “sempre pensei que a Europa far-se-ia nas crises e que se construirá pela soma das soluções que encontrarmos para essas crises”. Este é um desses momentos cruciais, sendo necessário mobilizar capacidades para chegar onde se concentram as ameaças, ou seja, a leste, desde a atitude assumida pelo governo russo até à retirada norte-americana. Daí que tenha razão Fareed Zakaria quando diz que “a Europa deve reforçar os seus elos, pôr em prática uma política de defesa e externa mais unificada, fazer crescer as despesas em matéria de segurança. Todos o sabem. Contudo, a única questão que fica por saber é se há vontade política”. E os dirigentes europeus ainda procuram uma receita que lhes permita convencer os seus eleitores de que esse é o caminho da sobrevivência. No entanto, a conjuntura é extremamente difícil. Mudam as circunstâncias e, ao contrário da prática dos últimos cinquenta anos, o sistema internacional passou a ser dominado pelos instintos de um Presidente norte-americano, que não tem uma estratégia, mas segue a tendência dos poderes de facto, que se desenvolvem fora dos quadros do Direito Internacional. Surpreendentemente, Vladimir Putin, que avançou para a invasão da Ucrânia em 2022, no pressuposto errado de uma deposição do governo de Kyiv rápida e imediata, inebriado pelas operações da Chechénia, da Georgia e da Crimeia, passou agora a contar com a cumplicidade de Trump… O impasse reveste-se da maior gravidade. A paz torna-se necessária e a Europa está sob a exigência da recusa da irrelevância. Se houver uma resposta consistente e durável talvez os males venham por bem…     


GOM