MANUEL BANDEIRA COM O GRUPO FERNANDO PESSOA
Voltamos à fotografia que documenta a estadia do Grupo Fernando Pessoa no Rio de Janeiro em 1962. Logo à esquerda, está Manuel Bandeira. E só por aí se assinalaria uma curiosa convergência de gerações, mentalidades, obras e biografias literárias, nesta participação de grandes escritores brasileiros nos espetáculos dos artistas portugueses no Brasil.
Vimos na semana passada Vinicius: e não por acaso, dissemos então que este diplomata de carreira é o único em mangas de camisa, sem gravata… Mas o primeiro à esquerda na fotografia é Manuel Bandeira a consultar um livro. Que livro seria?
Importa recordar que Manuel Bandeira, nascido no Recife em 1886, era desde 1940 membro da Academia Brasileira de Letras. Refere-se essa circunstância porque a eleição para a Academia, na época como ainda hoje, representa, no Brasil, por um lado a consagração de qualquer escritor, e por outro, simboliza uma tradição literária que se concilia com o reconhecimento da atualidade da figura e da obra consagrada.
Também é interessante constatar que Manuel Bandeira cumpriu uma longa e bem preenchida carreira ligada à educação e ao ensino, como funcionário de Ministério da Instrução, professor do ensino secundário e finalmente professor de Literatura Hispano-Americana na Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro. É importante esta consagração como professor universitário? Não haverá duvidas, mas, atendendo à época, 1943, merece ainda mais destaque pelo que revela de abertura do estatuto universitário a quem se destacou - e de que maneira! - pela obra literária, mas também pela carreira, primeiro burocrática, depois no ensino médio e superior, mas sempre ao serviço da literatura criada e estudada.
Bandeira publicou 16 livros de recolha de poemas, 12 livros de prosa e numerosos livros didáticos, entre monografias, ensaios de história da literatura e manuais diversos, além de um livro de memórias (“Itinerário de Pasárgada “- 1957). E precisamente, um dos seus poemas mais conhecidos denomina-se “Vou-me Embora pra Pasárgada”: “…Vou-me embora pra Pasárgada / Aqui eu não sou feliz / Lá a existência é uma aventura / De tal modo inconsequente/ Que Joana a Louca de Espanha / Rainha e falsa demente / Vem a ser contraparente / Da nora que nuca tive” / (…) Lá sou amigo do rei…”
Veja-se também, numa escolha aleatória, esta “Oitava Camoniana para Fernanda”: “De Ely e Lorita, brandos, nasce a branda/ (Vede da natureza o ideal concerto!) / Bonita e sem pecado algum Fernanda, / Que alegria dos pais será de certo. / E faça quem sobre o Universo manda / O mundo para ela um céu aberto / Onde claramente como um dia / De claro sol, a vida lhe sorria”…
É realmente camoniano!
Assinale-se também que Manuel Bandeira traduziu mais de uma dezena de peças de teatro, de idiomas, épocas e autores diversos: “O Auto Sacramental do Divino Narciso” de Sóror Juana Inès de la Cruz; “Maria Stuart” de Schiller; “Machbeth” de Shakespeare; “A Maquina Infernal” de Jean Cocteau; “Colóquio-Sinfonieta” de Jean Tardieu; “Juno e o Pavão” de Sean OCasey; “O Homem que Fazia Chover” de Richard Nesh; “A Casamenteira” de Thorton Wilder; “D. Juan Tenório” de Zorrilla; “Mireille” de Frederic Mistral; “O Circulo de Giz Caucasiano” de Bertold Brecht; “O Advogado do Diabo” de Morris West; “Pena ser Ela o que É” de John Ford.
E voltamos à fotografia do Grupo Fernando Pessoa. Além de Manuel Bandeira, estão lá, como já vimos, Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. Ora, a Vinicius dedicou Manuel Bandeira esta “Saudação”: Marcus Vinicius / Cruz de Moraes / Eu não sabia / Que no teu nome / Tu carregavas / A tua cruz / De fogo e lavas, / Cruz de poesia? / Cruz do renome?” (…)
E finalmente, veja-se este poema de Carlos Drummond de Andrade, cuja obra analisaremos pois também surge na fotografia do Grupo Fernando Pessoa, e que evoca, numa recolha precisamente intitulada “Bandeira - A Vida Inteira”, o amigo escritor, poeta, dramaturgo, educador, professor: “No chão de laranjeira arma-se o teatro/ de faz de conta./ O pequenino ator/ domina a plateia cativada./ Não será João Caetano ou astro de tvê. /Será tradutor de Shakespeare e de Schiller”…
DUARTE IVO CRUZ