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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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MARIA JUDITE DE CARVALHO: A «FLOR DISCRETA» DA NOSSA LITERATURA, COMO LHE CHAMOU AGUSTINA

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De novo aqui venho com a escrita de Maria Judite de Carvalho e a unidade perspicaz que o seu movimento interior expõe e que continua, desmedidamente, a revelar um frondoso poder de comunicar, também na constante descoberta do ser-se singularmente estranho às ideias e aos sentires dos quais nascemos e àqueles face aos quais somos obrigados a fazer frente.

 

Uma noite, um mosquito marcou a sua presença, acordando-a de um forte pesadelo. Imaginou-se ainda sem vigília total, a aguardar entender o ruído de um fantasma?, de uma dor que tinha pés?, de uma madeira a estalar?, de um grito?, daqueles que se nos atravessam na garganta porque não o possuímos na totalidade?, de um estalo de tempo mais curto que o tempo, impercetível de ser entendido?, e não, nada disto, eis, agora de luz acesa, bem visível um mosquito que passa, leve como um destino sem angústia.

Todavia o ruído que a acordou enerva-a, e montando uma breve cilada, mata com destreza o mosquito imprevidente ou optimista.

O sono não voltava. O minúsculo ser tinha-a libertado do horrível pesadelo. Ela matara-o. Restou pó no lençol? Se sim, sopra-se.

Sopramos igualmente as pessoas e elas sopram-nos: às vezes sem que tenhamos sido sequer irritantes.

 

O Mosquito, encontra-se no IV volume das obras completas de Maria Judite de Carvalho para a Minotauro, e são estas obras também a possibilidade de analisarmos o tratamento aberto da acutilância com que ela espelha o seu anónimo quotidiano, a sua solidão profunda, a razão pela qual se morre por causa da razão dos outros, ou, «O Homem no Arame» não constituísse outra obra na obra em que a escritora se refere a Passárgada de Manuel Bandeira – Passárgada, Kelevim e outras terras – e não concluísse ela que o caminho aberto para Passárgada, face àquele homem, e a muitos, seria um caminho em que a descoberta fulcral…

 

(…)um homem para ter inventado o seu país mágico e para ter até ao fim da vida uma vergonha imensa de o dizer seja a quem for(…)

tem de nele

 

flutuar um sorriso em forma de barco,

 

apesar de todos os inúmeros apesares que vida diária lhe faça carrego, mas se por razão de nos seus olhos ferver uma luz, nada lhe deve ser possível perguntar e

 

«Pronto, sr. Ventura, não se fala mais nisso.»

 

Teresa Bracinha Vieira