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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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MARIE DE RÉGNIER - "A INCONSTANTE"

 

Com tradução e prefácio de Nuno Júdice chega-nos pela chancela Sibila Publicações, o romance “A Inconstante”, publicado em 1903, usando então Marie de Régnier o pseudónimo Gérard d’Houville.


A razão do uso deste masculino pseudónimo seria o de evitar que a moral dominante da época pudesse entender este livro como uma provocação de Marie de Régnier, que baseando-se na sua vida pessoal, expunha claramente, uma liberdade de costumes tidos por impróprios de uma recém-casada.


Marie diria mais tarde que a utilização desse pseudónimo era uma forma de se distanciar dos famosos pai e marido.


Marie entrega-se ao epicurismo – cremos – também para provar que se podia obter um estado de tranquilidade se se ousasse a libertação do medo provocado pela empreendedora sociedade hipócrita, e o equilíbrio fosse encontrado pelo não sentimento de culpa ou remorso, face à infidelidade, já que nada nos sentimentos pode ser aquietado, se alguma parecença tiverem com as jarras vazias de flores, aquelas que a Marie, mais lhe pareciam seres incompletos, decapitadas.


Na verdade, Marie era atenta à maquilhagem das coisas que lhe eram alheias, apenas para as identificar como perversas.


Era atenta aos espelhos dos quartos dos amantes que sempre lhe diriam quantas horas, a partir da primeira vez que neles se via, lhe restariam a menos, para viver, procurando alguém que se ocupasse dela, a admirasse, a fizesse mais tranquila, e talvez por isso, sempre chegasse atrasada aos encontros, tentando atrasar a inquietude dos beijos que a prenderiam numa incorrigível e, as vezes, insustentável, ligeireza. Antes que o seu corpo já não divertisse? Ou antes que a fidelidade se deixasse de mostrar embuste? Ou que a infidelidade deixasse de ser um jogo?


O pai de Marie, jogador crónico arruinado, deu-a em mão ao mais rico dos seus pretendentes.


Seria irreverência que depois de um beijo lascivo pedisse ao amante que lhe arranjasse remorsos, pois que mesmo esforçada os não encontrava?


Ajoelhada, olhava para um outro amante, ou o mesmo? Os olhos dela eram doces, muitas vezes tristes e sempre infantis, sob a capa de uma viajante rodeada de apetites, tomada de vertigens, dançando danças rodopiantes, inexplicáveis e sempre servas livres.


E como o amava não sentiria emoção se ele agora entrasse pela porta proibida: tão só cairia sobre o seu próprio coração.


Não, não te enganei. Não deixei de te pertencer, de te adorar, de murmurar o teu nome, de desejar a tua boca, junto de um outro
, ela não tinha nada da tua amante.


Pois ainda me amas?


Jura-mo!


Ó querida! não és a única responsável; também o sou. Deixei-te; não te disse quanto te amava.


A obra de Marie foi incompletamente abafada pela sua escandalosa vida sob a irrequieta Paris da Belle Époque, da qual, como oportunamente refere Nuno Júdice, André Gide, Marie de Régnier e Teixeira Gomes formam bem a trindade que lhe representa o espírito.


Maria de Régnier foi uma original e poderosa escritora. Vence o Grande Prémio de Literatura da Academia Francesa e o Grande Prémio de Poesia da mesma Academia.


Este seu livro prende-nos inteiramente e recorda-nos bem as características da transição de século XIX para XX da Paris social e intelectual, parnasiana, incansável, no rigor da forma e igualmente assente num simbolismo que envolve uma verdade encontrada na consciência.


Complete-se A Inconstante com a releitura de O Imoralista e de Sabine Freire, excelente sugestão do prefácio.

 

Teresa Bracinha Vieira