MATSUO BASHÔ
O pai de Matsuo Bashô era um samurai de pobres recursos numa altura em que o Japão era dominado pelos shoguns Tokugawa. Em 1672 começa Matsuo Bashô a impor-se como poeta em Edo (Tóquio). Os seus haiku têm uma dimensão rara de qualidade até aos dias de hoje.
Homem profundamente solitário aceita a construção de uma cabana que um discípulo ergue para ele e no primeiro inverno oferecem-lhe uma bananeira decorativa (Bashô, em japonês).
Depois de um incêndio que lhe destrói a cabana, ele parte errante para um mundo que percorre como viajante
«Estou só e escrevo para minha alegria»
Por vezes fazia-se acompanhar de um cuco, por uma borboleta, ou mesmo por um discípulo.
Vem Bashô a falecer em 1694 e sobre a sua sepultura, os seus discípulos plantaram uma bananeira.
Ainda hoje se menciona que o haiku é o resultado de uma lenta depuração que a poesia japonesa aceita ao longo dos tempos. Mas foi sobretudo Bashô que a construiu no seu estatuto mais cristalino.
Li que cada haiku deve ter um tom dominante, no qual se devem reunir a frugalidade, o isolamento e o mistério. O haiku deve surgir como um momento único na eternidade
Para o entendimento de um poema assim, devemos nós, os ocidentais despirmo-nos de transfigurações no sobrevém das horas da escrita e da leitura e absorver um haiku qual brisa ligeira que sacudiu as asas de uma libelinha.
Jorge Sousa Braga na organização da antologia de Bashô a que me refiro “O Gosto Solitário do orvalho” (chancela da Assírio e Alvim) segue o critério das antologias de haikus (no Japão e no Ocidente): o ciclo das estações, e refere
O texto sobre a bananeira decorativa transcrevi-o (…) como se Bashô se tivesse resolvido despir perante os seus leitores. Porque um poeta – e um poeta tão próximo da natureza como este – serve-se sempre nu.
E eis Matsuo Bashô
Primavera
Debaixo de uma cerejeira
tudo é servido
decorado com flores
Flores de cerejeira no céu escuro
E entre elas a melancolia
quase a florir
Verão
Silêncio:
as cigarras escutam
o canto das rochas
Sensação de vazio
Ao despedir-me colhi
uma espiga de trigo
Outono
No outono nos separamos
como as duas conchas
de uma ostra
Outono –
Empoleirado num ramo seco
um corvo
Inverno
Através da racha na lareira
o gato
vai ter com a amada
Deixem-me caminhar
até que tropece e desapareça
na neve
Também assim nesta estética de palavras, este homem antiquíssimo comanda um útero para melhor vigiar o mundo e o influir. Porque o verdadeiro poder se exerce na discrição e comunica-se sussurrando mensagens de uns para os outros. A vontade do dizer de Matsuo Bashô recebe e envia sinais com força de mandato e nós só o entendemos se desligados para sempre. E tendo os homens como gente atenta, anfóricos, cor de malva convocados, ao tempo das asas desenvoltas, e entendidos do porquê.
Cada ser, julgamos, está para além das somas e transborda do que lhe é conferido. É desse excesso que temos que nos despir para receber a cabana, a bananeira, a eterna viagem que para ser eterna não se consente em estados intermédios.
Teresa Bracinha Vieira