MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL
29. JOSÉ MATTOSO (I)
“Se o critério é o da objetividade, teremos de excluir, desde logo, as teorias messiânicas, tão insistentes e tão carregadas de emotividade, acerca do destino universal do povo português, do seu insondável ”mistério” e da sua irredutível originalidade” (José Mattoso, “A Identidade Nacional”).
A inventariação dos carateres específicos da gente portuguesa é um processo ilusório:
“Nem o sebastianismo, nem a saudade, postas em relevo por António Sardinha, nem o universalismo internacionalista, propalado por vários autores, nem o lirismo sonhador aliado ao fáustico germânico e ao fatalismo oriental, apontados por Jorge Dias, nem a plasticidade do homem português, intuída por Natália Correia, nem o culto do Espírito Santo, que fascinou António Quadros, nem a capacidade para criar uma “filosofia portuguesa”, patrocinada por Sampaio Bruno, Álvaro Ribeiro e José Marinho, nem mesmo a “brandura dos costumes”, feita lugar comum, se podem considerar como caraterísticas mais do que imaginárias do povo português” (José Mattoso, idem).
Mattoso reconhece que tais interpretações não têm todas o mesmo grau de arbitrariedade ou de subjetividade, sendo premente distinguir aquelas que partem da observação empírica de carateres comportamentais que podem corresponder factualmente a hábitos mentais, daquelas que se fundamentam em especulações de tipo idealista ou de feição mística, merecendo as primeiras, segundo diz, maior atenção, competindo a sua análise e espírito crítico a especialistas da área da sociologia geral, que ele não é, tomando a História como ponto de referência para algumas interrogações sobre elas, do ponto de vista do historiador, como se reclama.
Após afirmar ter sido necessária a democratização de Portugal e a perda das colónias, para que o passado deixasse de ser visto como tempo glorioso, uma “idade de ouro”, e de defender que o teor subjetivo dos seus critérios e o método impressionista de tais teorias são sempre impossíveis de demonstrar reconhece, de seguida, não podermos também “deixar de registar a formação de uma espécie de consenso a respeito de alguns deles”.
Exemplifica-o com os estudos do antropólogo Jorge Dias sobre o caráter nacional português, para quem a personalidade básica do português é “um misto de sonhador e de homem de ação,…, um sonhador ativo a que falta certo fundo prático e realista”, com “enorme capacidade de adaptação a todas as coisas, ideias e seres sem que isso implique perda de caráter”, “…tem vivo um sentido da Natureza e um fundo poético e contemplativo…”, “No momento em que o português é chamado a desempenhar qualquer papel importante, põe em jogo todas as suas qualidades de ação, abnegação, sacrifício e coragem e cumpre como poucos”, “Para o português, o coração é a medida de todas as coisas”, “é um povo paradoxal e difícil de governar. Os seus defeitos podem ser as suas virtudes e as suas virtudes os seus defeitos, conforme a égide do momento”.
Entende, JM, que o perfil de português de Jorge Dias aponta para a permanência de estruturas de longa duração relacionadas com tendências mentais aparentemente comuns, não sendo carateres intrínsecos ao povo português, mas tendências correntes que podem modificar-se se as condições estruturais de ordem económica e social se modificarem. Interroga-se, com outros: quanto à saudade-lirismo, não se relacionará com a constatação de tantos portugueses terem de emigrar, desde sempre, para sobreviver?
29.10.21
Joaquim Miguel de Morgado Patrício