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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL

  


39. A INVÍDIA COMO SENTIMENTO UNIVERSAL E NACIONAL


Toda a literatura, o cinema, o teatro, a mais diversificada gama de manifestações artísticas e comportamentos humanos, tem a invídia (ou inveja) como um sentimento universal, extensivo a todos os países, povos e pessoas.   


É comum a toda a espécie humana, que estudos aprovam estar presente em outros animais, o que prova a sua natureza biológica. 


Um dos sete pecados capitais ou mortais, na tradição católica, segundo a sua doutrina, pode generalizar-se a todas as religiões, pela similar natureza humana de todos os crentes.


Pode gerar a ambição de ter o outro como referência para o igualizar, ou ser destrutiva, provocando angústia, ressentimento e tristeza pelo bem alheio.   


Transversal a todas as latitudes e longitudes, não é uma caraterística exclusiva ou preferencialmente portuguesa, sendo redundante afirmar estar intrinsecamente gravada no ADN português, não só pela sua génese biológica e genética, mas também porque inexequível medi-la científica, determinística e matematicamente, por confronto com a de outros povos, além de haver vários graus e tipos de inveja.


Legitima-se, então, perguntar, o porquê de uma crença pretensamente generalizada numa invídia estrutural, permanente e destrutiva entre os portugueses, veiculada por um número significativo de comentadores, intelectuais e imprensa em geral?   


Desde a coincidência de os Lusíadas findarem com a palavra “enveja”, o desejo de que alguém mais bem-sucedido ou o vizinho não viva melhor, quiçá vivendo sem escrúpulos ou à custa de quem vive mal, levando também a que os mais audazes, dotados, melhores, inconformados, criativos e reivindicativos emigrem. 


São generalizações sempre perigosas, boas ou más, positivas ou negativas.


É claro que a inveja nos é familiar e resulta da natureza dos portugueses, como é inerente e faz parte da essência e natureza de todos as outras sociedades, sem exceções, caso contrário, se assim não for, estamos a considerá-la restritivamente inalterável em nós, o que não faz sentido.     


Quem viajou, emigrou, viaja e emigra, sabe que há o bom e o mau em todos os lugares, incluindo a invídia destrutiva, mais grosseira ou elaborada, consoante o menor ou maior “benefício” civilizacional. Há que viver outras realidades fora do nosso pequeno mundo paroquial e, numa perspetiva mais neutra, ser ou ter sido emigrante de facto, mesmo que só “em casa”, através do olhar do Outro, em imagens, leituras, vídeos, filmes, redes sociais, na net. Mesmo que nada supere a experiência pessoal, havendo inúmeros testemunhos de emigrantes portugueses que têm a maioria dos nativos dos países onde estão - de presumir, na sua maioria, como mais evoluídos e de olhar menos destrutivo - tanto ou mais invejosos que nós. Lá fora, a conspirativa e tramada inveja é persistente, não só - mas também - por causa da genética da natureza humana. E que dizer dos horrores do Holocausto com ela interligados? Nem é verdade que sejam, entre nós, os “pretensos invejosos” que ficam por cá, um dos elementos decisivos da partida dos que emigram.     


Por outro lado, se atentarmos a que os carateres comportamentais são essencialmente resultado das condições sociais, terão de ser tidos como suscetíveis de modificação, podendo a invídia, nesta previsão, estar em grande parte dependente do grau de desenvolvimento económico e social, não podendo ser tida como um elemento iniludível dos portugueses. 


Será, também, uma querela sem sentido, se partilharmos a convicção da ausência de uma (ou qualquer) originalidade nacional no âmbito cultural, negando a existência de um “ser cultural português” como um dado adquirido na área do ser.   


Mas há um estereótipo que persiste, preconceituoso, tendencioso, redutor, simplista, que se tem como culturalmente correto e sem base científica, em que não nos revemos, ao arrepio de uma certa corrente, presumidamente culta, erudita e iluminada, que faz o culto de dizer mal de nós, onde impera o bota abaixo, com um gosto requintado e supremacista, tido como real, mesmo quando falso.


05.05.23
Joaquim M. M. Patrício