MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL
19. O ENIGMA IBÉRICO
IMPRESSÕES DE UM BRASILEIRO EM PORTUGAL (II)
É a visão de um encenador e realizador brasileiro, aliada à de artista, jornalista, historiador e viajante que permaneceu entre nós no decurso de mais de cinco anos, e que aqui chegou em 1999.
A intenção é boa, sendo o livro polémico e merecedor de uma leitura ponderada, agregada a uma vontade de tentar compreender e expressar uma necessidade de mudança, o que nem sempre é conseguido.
O Portugal de que fala é o reflexo da sua televisão, da mediocridade dos seus écrans, do lixo televisivo, do fraco nível literário, linguístico e dramatúrgico, por confronto com uma literatura portuguesa de excelência.
Ao tomar como centro de análise o imobilismo reinante no meio em que trabalhava, generaliza ao todo, ao Portugal total, o que tinha como o essencial de uma parte. O meio televisivo português, com a sua negatividade, onde o autor exerceu a sua profissão temporariamente, serve de centro amplificador. Como na parte impera a apatia e os formatos televisivos importados, transfere essa caraterística para o todo, concluindo que tudo em Portugal está paralisado.
Trata-se de um simplismo redutor de uma realidade complexa de difícil (e impossível) simplificação, por Portugal não ser simplificável. É uma primeira crítica a anotar.
Ademais, não surpreende que o audiovisual brasileiro prolifere entre nós, não só pela sua reconhecida qualidade técnica e artística a nível mundial, mas também por falarmos a mesma língua, à semelhança do que sucede com os Estados Unidos em relação à Inglaterra. Apesar de o próprio Wilson não o negar: “Não é menos verdade que no mundo lusófono em particular (analogamente ao anglófono), vêm da América as contribuições culturais mais numerosas para o património universal.”[1]
É redutor falar num neocolonialismo cultural da antiga colónia. Se o Brasil é portador de uma mais-valia televisiva, qual o problema em aprendermos com ele? Compreensível, pois, que Solon tenha sido convidado a trabalhar entre nós.
Mas apesar da sua qualidade técnica televisiva, o Brasil é responsável por alguma mediocridade da nossa televisão, uma vez Portugal ter adotado o formato das suas telenovelas como entretenimento televisivo predominante, pese embora o desagrado do ensaísta.
Mas a mediocridade televisiva não é um fenómeno tipicamente lusitano, muito menos numa era global de consumos homogéneos em que toda a gente vê os mesmos programas televisivos. Muitos deles pejados de banalidades, excluindo qualquer sentido crítico, tantas vezes de importação maciça da atual superpotência. E que dizer do “Grande Irmão”/“Big Brother” originário da tão vanguardista Holanda?
Questão diferente é a degradação da ficção televisiva portuguesa, de um conservadorismo mental que não investe na “(…)incontestável - e regra geral não utilizada - capacidade criativa dos portugueses”[2], renunciando à construção de um pensamento cultural próprio, por maioria de razão num país rico em história, singularidades e universalidades, com o que concordamos.
Absurda é a legendagem, em português do Brasil, neste país, de filmes e outros audiovisuais portugueses, ao invés do que sucede entre nós com películas e telenovelas brasileiras, como Wilson reconhece. Pergunta-se: terá o português de Portugal um valor acrescentado que o português do Brasil não tem, no pressuposto de que quem o fala compreende os demais lusófonos, não parecendo relevar, do mesmo modo, o inverso neste país irmão? Ou tratar-se-á de um analfabetismo mais acentuado e universalizado da população brasileira em geral?
Tratar-se-á de um conservadorismo mental brasileiro? De um “tempo brasileiro” paralisado, o efeito de uma vaidade desmedida e orgulho doentio pela continentalidade territorial, adaptando e devolvendo ao autor algumas considerações sobre Portugal? A nós, em terras brasileiras, nunca nos soou incompreensível o português do Brasil, nem para os nossos interlocutores o português de Portugal, o que agrava o paroxismo do absurdo. O que faz pensar num Brasil, o Enigma Lusófono.
Generalizar que os portugueses assistem passivos a tudo, tomando como referência a formatação televisiva, é redutor e excessivo. Ter como suas caraterísticas estruturais e intrínsecas a resignação e a melancolia, mesmo que se invoque o fado (nem todo é triste, há-o alegre), também o é.
Nem se pode absolutizar como inatas e inalteráveis de um povo certas caraterísticas, uma vez existirem reações comportamentais modificáveis consoante as circunstâncias e a situação que se vive. E se é verdade que Portugal teve dimensão superior às suas forças e ao seu território, nada impede que lutemos por isso, tendo sempre presente que as coisas muito desejadas e pensadas mentalmente, acabam por passar da teoria à prática. Desde logo, repudiando o fechamento (que sempre nos prejudicou), acolhendo a abertura aos outros e a aceitação ativa e crítica dos seus contributos, sem esquecer a universalidade, invertendo uma certa e atual receção acrítica do modismo europeu e norte-americano, de um Portugal horizontal, consumista, sem espírito, sem razão de existir para além do dia-a-dia.
27.09.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício
[1] Idem, pp. 117 e 118.
[2] Idem, p. 57.