NOVA EVOCAÇÃO DE GARRETT HÁ 200 ANOS
Fazemos hoje nova breve referência ao espetáculo que, no então chamado Real Theatro de São Carlos, Almeida Garrett protagonizou e que é descrito com marcada expressão evocativa pelo Marquês da Fronteira e Alorna, de seu nome José Trazimundo Mascarenhas Barreto (1808-1881), cujas “Memórias” constituem um curiosíssimo relato da política e da cultura da época. Aliás, vale a pena evocar esta fase complexa da sociedade portuguesa, nas vastas e variadas implicações históricas, políticas e culturais que envolve.
Nas “Memórias”, reeditadas designadamente em 1986 pela INCM, o Marquês descreve uma algo inesperada intervenção do então jovem Garrett (1779-1854) no Teatro de São Carlos. Estava-se na ressaca da revolução de 1820. E justamente nesse contexto, o (ainda mais) jovem assiste a uma espetáculo do Teatro de São Carlos.
E descreve:
«Foi numa dessas noites de grande entusiasmo que, estando na plateia geral, vi pôr-se de pé sobre um dos bancos um jovem, elegante pelas suas maneiras, duma fisionomia simpática e toilette apurada, um pouco calvo apesar da pouca idade, o qual pediu silêncio aos que o rodeavam, disse “À Liberdade”. E recitou uma bela ode, que foi estrepitosamente aplaudida, perguntando-se com curiosidade, tanto nos camarotes como na plateia, quem era o jovem poeta: ele próprio satisfez a curiosidade, dizendo chamar-se Garrett».
E, no mesmo livro de Memórias, faz uma referência desenvolvida à estreia do “Catão” de Garrett, esta ocorrida no então também relevante Teatro do Bairro Alto, bem como a outras iniciativas de expressão teatral.
E isto porque, diz-se no livro que «os três teatros que então havia trabalhavam todos. Junto à Igreja de São Roque, no Bairro Alto, havia um pequeno teatro que tinha sido ocupado por companhias de amadores e onde o meu amigo Almeida Garrett tinha feito representar pela primeira vez a sua tragédia “Catão”, numa referência que aqui reproduzimos pois documenta a situação cultural/teatral da época numa fase de progresso mas também de grande instabilidade».
Acrescente-se para terminar, que o Marquês e o irmão, desde muito jovens frequentavam os teatros de Lisboa, marcando assim a ligação à arte de espetáculo. De tal forma que a certa altura o Marquês decide-se a atuar como ator. Nesse sentido, participou em representações de peças sobretudo ligadas ao teatro de cordel.
Ele próprio organiza sessões e participa em elencos de amadores que escolhem, com sentido de espetáculo, textos na altura prestigiantes, se bem que hoje esquecidos: por exemplo, “Dr. Saraiva” de Manuel Rodrigues Maia ou “A Castanheira” de José Caetano de Figueiredo – nomes que hoje já pouco ou nada dizem!...
E podemos alargar as citações retiradas das “Memórias” do Marquês de Fronteira e Alorna José Mascarenhas Barreto. Até porque a certa altura organiza no Palácio de Benfica onde mora, espetáculos variados. E para terminar, diga-se que não hesita em escrever que «a companhia portuguesa da Rua dos Condes podia comparar-se com a melhores companhias dos teatros europeus» nada menos!...
DUARTE IVO CRUZ